sábado, 2 de julho de 2016

E comecei

E comecei a viver numa revolução permanente, numa luta incansável, num despertar plangente pelo respeito à vida.
Quando pinto vou organizando as formas de maneira a conferir ao que faço uma expressão muito própria, muito minha, o célebre "instante decisivo" como lhe chamava o Cardeal de Retz, que resulta do fulgor de um olhar ou de um gesto por fazer, numa geometria que ignoro, mas a que me sinto ligado, cada vez mais, pelo ritmo com que respiro o teu sorriso. E há uma imprevisibilidade nessa geometria, porque sou eu, como homem, a desenhá-la.
Também um dia eu não morri, mas o MoMa, em Nova Iorque, organizou-me uma exposição póstuma, como a que organizou a Henri Cartier-Bresson que entretanto continuava a fotografar algures com a sua Box Brownie que os pais lhe tinham dado em criança.
E componho com sombras que projecto, com silhuetas desfiguradas por mil espelhos frente a frente, amortalhado nesse espelho em que me vejo e revejo, me busco e me rebusco, para, depois, cansado, deixar entornar as tintas, lentamente no chão que piso.
Entretanto os meus dedos dedilham teclas donde saem sons imediatos, de que depois desenho formas de pensamentos ou de nuvens em movimento.
E a minha memorabilia, faz-me ouvir ao longe a Norma de Bellini e um dos mais belos momentos da história da ópera, "Casta Diva", esse pedido desesperado à sua deusa por paz: "espalha paz pela terra".

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