sábado, 28 de maio de 2011

Estética e Tragédia

Um dia destes, reli uma entrevista que Miguel de Unamuño dava em 1936 no começo da Guerra Civil de Espanha e em que dizia "não sou fascista nem bolchevista; sou um homem só". E rematava: como o Croce. Penso que se referia ao Benedetto Croce, que tanto enfluenciou o meu pensamento estético de quando era pouco mais que um adolescente, sobretudo com "A estética como ciência da expressão". Homem triste, perdeu os pais e a irmã, quando na ilha de Ísquia onde todos passavam férias, houve um terramoto. Ele próprio chegou a estar soterrado.
Afinal como eu, tantas vezes, com os terramotos que também sofro quando não me consigo fazer entender, por mais que eu seja lúcido, tenha emoções e seja capaz de as não esconder.
Depois lembrei-me de quando li o "Do sentimento trágico da vida", esse expoente do pensamento de Unamuño, feito de dúvidas e interrogações, sempre dividido entre a ânsia do absoluto e a evidência da morte, o que o leva a dizer "e se é o nada que nos está reservado, façamos então com que isso seja uma injustiça".
Tragédias que me fazem ser um tragígrafo das minhas pequenas grandes tragédias, pensando que trágico mesmo é ser como aqueles para quem nada é trágico. Rio-me deles e da sua tragicomédia de viverem sem se sentirem a viver.
E fico tão só como Croce ou como Unamuño perante a beleza da evanescente loucura de me ser
e em que continuamente me digo e redigo: vai até onde puderes, meu filho, como naquela "Carta a Greco", o tal que perante a Inquisição que lhe perguntava "de onde vieste?" "porque vieste?" respondia simplesmente "não tenho que dar contas a ninguém".
E depois venho ter comigo porque já não tenho certeza se me apetece continuar a esperar por mim, e lá vou, comigo, a caminho das minhas betesgas e dos meus becos sem saída, apanhando coisas que os outros vão deitandoi fora, trapos, ferro-velho e até pedaços de mim, dos meus sonhos esfarrapados pelas pedras soltas da calçada, como peças de um puzzle que é esta vida que não consigo construir.

Sem título, que é como começa sempre o que em mim nunca acaba

Não vinha aqui ao meu blog há já uns meses. Tinha deixado de conseguir entrar e só agora é que um amigo meu, num perfeito passe de magia, me ensinou, afinal, o que eu há muito devia saber. Mais uma vez provo a mim mesmo que nada se descobre, tudo se reencontra.
A verdade é que tenho uma má relação com as máquinas, tão má como de boa tenho com tudo o que é humano. Chego mesmo a ser, como um dia me disse um amigo meu, e com toda a razão, desumanamente humano.
Mas não me esqueci de continuar a escrever. Isso seria um pouco como me esquecer também de existir.
E fui escrevendo, aqui e ali, num guardanapo de papel, nas últimas páginas em branco de um livro que estivesse a ler, parando num recanto qualquer da estrada para rabiscar no bloco de notas que tenho sempre no carro, o que se tornava urgente anotar, senão esqueçia-me.
Às vezes, a meio da noite, com uma espertina, mas porque não quero acordar a minha Mulher, escrevo às escuras, o que nem sempre dá bom resultado pois as palavras ficam encavalitadas umas nas outras, sem que de manhã as consiga ler. Só se recorresse a um criptólogo, ou a uma daquelas máquinas que se usavam no tempo em que fiz a guerra em Moçambique, e cifravam e decifravam as mensagens para que o inimigo as não pudesse entender, se bem que eu, aos meus inimigos, até gostasse que me entendessem.
Mas fica, ao menos, uma perfeita imitação de um palimpsesto, só que como não apago nada, não posso, fica mesmo uma criptografia indecifrável, mesmo por mim.
E dou comigo a pensar que escrevo muito como se quisesse esconder alguma coisa de olhos menos amigos, profanos, inconscientemente, como que para guardar o que escrevo apenas e só para quem amo e sei que me ama e sabe ler. Assim ficam coisas em segredo, ou segredadas apenas, entre mim e aqueles que amo, embora reconheça, como diz o provérbio árabe, que quem não tem inimigos não tem valor. E é verdade, no fundo não me importo de ter inimigos, de algum modo, sempre me podem engordar o ego.
Manias, timidez, ou simplesmente o ser cioso daquilo que digo e é muito meu, já que como dizia um escritor grego dos nossos dias, "toda a minha vida é um grito e toda a minha obra a interpretação desse grito".
Mas não porque tenha segredos com os outros, a quem amo, não. Tenho quanto muito segredos comigo mesmo, o que me deixa a pensar que muito provavelmente não me amo o suficiente para mos permitir contar.
E fico sozinho comigo, envolto no meu corpo que como li em alguém, é esse tudo à minha volta, mais a sua ausência.
E volto a ler Dionyseos Solomos, o poeta nacional da Grécia moderna, que me fascina por nunca ter acabado de escrever nada, a não ser o Hino à Liberdade, hoje o hino do povo grego.
Livre, se calhar, é nunca querer acabar e viver como se isso fosse humanamente possível.