sábado, 22 de setembro de 2012

O meu Pai

O meu Pai ofereceu-me "As Canções" de António Botto quando eu fiz 11 ou 12 anos, já não me lembro muito bem. Além de toda a poesia que ainda hoje, muitas vezes, volto a ler, pois tenho para mim que continua a ser do que de melhor se tem escrito em Portugal  -  não é por acaso que o grande Fernando Pessoa, se lhe refere numa carta como "meu mestre"  -  há uma parte em prosa a que ele chamou "Cartas que me foram devolvidas", que são de uma rara beleza enquanto testemunhos de uma humanidade, da humanidade, torturada pelas paixões que não são compreendidas nem aceites.
Também estes meus pequenos textos/apontamentos, quase numa forma tradicionalmente dita como diarística, são afinal cartas de um longa e nunca acabada carta que não me canso de escrever enquanto me sentir vivo, uma carta que escrevo e reescrevo, e a mim mesmo envio e a mim mesmo devolvo sempre.
No fundo são pequenos gritos calados, envoltos num silêncio que só eu oiço, e são a minha maneira de me revoltar contra a ignorância teimosa das pessoas que continuam a não ser capazes de dizer o que pensam e o que sentem, nem o que na realidade são.
Pobres palhaços, sempre com as caras enfarinhadas para se poderem esconder por trás dessa máscara que tanto e tantas vezes faz rir os outros, enquanto não conseguem esconder as lágrimas que numa rebeldia tão da natureza humana, lhes escorrem secas pelas caras abaixo e que ninguém pode ver.
Estas cartas feitas de muitas cartas, na verdade, só não me são devolvidas, porque sou eu que a mim mesmo as devove antes, muito antes de as enviar.
E não digo a ninguém que as escrevo. Eles que me olhem e adivinhem pela forma como os olho. Como os sinto "ridículos fantoches articulados" como lhes chamou António Botto, nesse lindíssimo poema que um dia escreveu, "Homem que vens de humanas desventuras".