quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Saber e sabedoria

A busca do saber foi sempre uma permanente procura do onde encontrar o que apontar para juntar ao que já sabia. Mas ao que eu aspirava, já nesse tempo, e ainda hoje continuo a aspirar, é à sabedoria, que é  saber o que fazer com aquilo que se sabe.
O saber fui-o aprendendo com os meus mestres, com os meus amigos mais velhos, com os milhares de livros que fui lendo desde muito novo,  enfim, com tudo o que a vida me foi proporcionando e eu fui sendo capaz de ir apreendendo, memorizar e de gravar nos meus sentidos.
Mas a sabedoria, aquilo a que os franceses chamam sagesse e ser quase sempre apanágio só dos mais velhos, essa aprende-se, realmente só com os anos, com a vida e, o que é espantoso, com os humildes, os que pouco ou nada sabem ler e nunca se deram a interpretações filosóficas.
Desde muito novo que fiz perguntas, e quando me refugiava nos meus 17 ou 18 anos, no Mosteiro de Singeverga, ia à noitinha a umas tascas em Negrelos e em Vila das aves, e encontrava-me com a gente do povo que por ali acabava os seus dias de trabalho, de volta de umas canecas de vinho, a que juntavam açúcar e que ia passando de mão em mão, ou de boca em boca, em grandes e saborosas goladas. Ouvi coisas espantosas e de que me recordo quase com ternura. O que aqueles homens rudes diziam, os pensamentos que desenvolviam, as reflexões que faziam. muitas vezes já toldadas pelo vinho, sim, aí em muitos casos, havia sabedoria que tomara muitos estudiosos conseguir chegar-lhes aos calcanhares.
E foi a subir aos montes, a caminho de uma citânia perdida entre as árvores e os fraguedos, que eu ia mexendo e removendo pedras e tentado arranjar melhores posições para as flores silvestres, que achava espartilhadas e sem conseguir medrar, que comecei esse caminho, não só porque ia sabendo coisas, com o que via e sentia ao vê-las, mas porque lhes ia procurando um sentido, que no fundo só a avidez com que vivia cada momento e o tempo que ao passar por mim me ia deixando pistas, eu fui aprendendo a ter um olhar sempre novo, e com os olhos muito abertos, que com o acumular dos anos posso hoje dizer, terem-me dado já, alguma sabedoria.