sexta-feira, 17 de agosto de 2007

A Relação

Já há bastante tempo que não escrevia nada , e hoje é a segunda vez que me sento a escrever. Não tem sido por falta de interesse em por em comum o que penso, muito menos por falta de assunto. Mas porque no fundo, do que eu gosto mesmo é de pensar, esse vício de que falei no primeiro texto. Ou então prefiro falar directamente com as Pessoas, olhos nos olhos, para as poder captar logo, para as sentir e logo poder estabelecer com elas a Relação. Aqui, à frente desta máquina, tambem existe uma relação, mas de que não recebo quaisquer emoções ou sentimentos. Não lhe vejo o brilho dos olhos, o sorriso, a ruga.
A Relação com o Outro, para mim, deverá ser mais viva, mais quente, numa verdadeira Relação Eu-Tu, a lembrar-me do título do livro de Martin Buber, uma das minhas referências de há muitos anos.
Mas afinal hoje resolvi pensar por escrito. Pensar na Vida, pensar na Morte, o que no fim acaba por ser sempre o pensar na Relação. Pois tudo na Vida é Relação e na Morte, apesar de ser o seu contrário, haver Relação na mesma, a única capaz de chegar à Relação última e total, a Relação com Deus.
Martin Buber, não só no Eu-Tu, propalou, como professor nas Universidades de Frankfurt e de Jerusalem, a análise que fez das relações pessoais e chamou-lhes "realidades vivas". Foi um filósofo da Relação e do Ecomenismo, onde bebi muito deste meu gosto pela partilha, de fusão com o Outro, na busca de que me não canso do encontro total, da Relação sem limite.
Ao falar de Relação penso logo no Amor, na Amizade, essa talvez mais pura forma de Amor.
Penso tambem, com tristeza, como a Relação está em crise, mais uma vez, entre culturas, religiões, países, nações, famílias, pessoas.
E geralmente, tudo começa porque as pessoas são muito pouco Pessoas, como um Amigo que me é muito querido, escrevia um dia destes usando a maiúscula. Porque, realmente, ser Pessoa é bem mais do que ser homem ou mulher. É ser Pessoa, uma identidade definitivamente mais rica, muito para alem de qualquer qualificação a partir de diferenças anatómicas, psicológicas ou outras quaisquer que contenham uma definição. Porque definir é limitar, não consigo definir Pessoa, como não consigo definir Amor ou Amizade. E se alguem me disser que consegue, ou é porque não sabe o que diz, ou, o que é pior, não sabe o que é o Amor.
E dou comigo perdido pelos labirintos dos meus pensamentos, ou da minha história. Na história. Como quando ia a Roma estar com o meu Filho Manel, que fazia lá o Erasmus e tudo à minha volta era história. E dentro de mim tambem, chegando quase a ter medo, como dizia alguem, de dar um pontapé numa pedra porque estaria a dar um pontapé num pedaço de história, e, quem sabe, da minha própria história.
E volto a pensar em como se continua a não voltar a ter a oportunidade de viver as Relações ou as Amizades míticas, que na Antiguidade Clássica brilharam entre Pessoas e depois, se mudaram para os céus, feitas constelações, de que todos sabemos ainda hoje os nomes e a quem tanta gente recorre e segue como referência no seu quotidiano, acreditando regular por elas as suas vidas. Tantas vezes vazias e sem qualquer Relação.
Ao menos acreditam nos Astros, o que respeito, embora não saiba nada de Astrologia. Apenas sei um pouco de Relação e de Amor, estando aberto ao muito que ainda tenho que aprender.
Mas continuando perdido no labirinto do meu pensar, reparo que cada vez mais gente procura outros astros, como os do dinheiro, do poder, da moda, das modas, das telenovelas, e, o que é mais triste, os astros do futebol ou da política, que de astros não passam de buracos negros ou de anãs brancas, sem saberem sequer o que isso é. Ou pensam mesmo que são buracos negros e anãs brancas. É demasiada a distância, para tão curtas vistas.
Onde está o Amor ? e a Amizade ?, essas Relações de previlégio, únicas e em si mesmas irrepetíveis, pela sua simplicidade e especificidade, e em que continuo a acreditar, apesar de ver
cada vez mais à minha volta, decadência, destruição de valores, um niilismo asfixiante, um entropismo afectivo imparável, que se repete até à náusea, como réplicas de ondas de choque de um terramoto qualquer, que estilhaça e destroi as estruturas tectónicas dos corações humanos.
Mas já Schiller dizia que " até os deuses lutam em vão contra a estupidez".
Vou ficar por aqui, esperando que haja mais Pessoas libertas de preconceitos ou de alguma qualquer pequenez de espírito, que consigam contribuir para travar a desertificação do Pensamento, do Amor, da Relação.
Se fosse Almada, escreveria o Protesto Anti Dantas. Como não sou, escrevo o Protesto Anti Pobres de Espírito, e indigno-me com a gente falida e sem horizontes, que aceita estar acabada antes de começar.

Gostar e Ser

Gostar de Gostar. Amar o Amor. Sem me importar como, quando, quem, onde, de que maneira. Ser simples, ou se se quiser, ser numa total anarquia, de " ser tudo de todas as maneiras".
Sem ser Fernando Pessoa, nem banqueiro, só me resta mesmo ser anarquista. Em muitas coisas. Mas sobretudo na forma de criar e lidar com a Relação. Com o Afecto. Com o Amor.
Nada está estabelecido. Tudo é o que é. Desde que se consiga sair da embrutecedora mesmisse. Desde que se desmascare a tibieza, a hipocrisia, o farisaísmo dos sistemas.
Desde que se consiga ser si mesmo, e não o que se tem vindo, ao longo dos séculos, a querer que sejamos: uma espécie de muitos outros em nós. E nós a não sermos capazes de nos viver, completamente nos Outros. Não vão os outros dizer que nós não somos nós. Mas outros.