segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Arranjei um chapéu.

Arranjei um chapéu de chuva para me proteger das saudades que sentia de ti e caiam em cima de mim
como uma chuva miudinha que me molhava até aos ossos.
Tinha-o arranjado numa quermesse, a favor de um lar de idosos, que por sinal, já todos deviam ter também um para se protegerem das muitas saudades que sentiam de tudo, da vida, de si próprios.
Mas essa chuva miudinha molhava-me como se fosse uma daquelas chuvadas densas, fortes e repentinas, típicas das monções do Oriente e que me molhavam na mesma, como se o chapéu estivesse todo esburacado.
Só depois percebi que nada me podia cobrir nem proteger, porque a chuva não caia das nuvens mas de dentro de mim,  fons et origo, que desgraçadamente eu sou, fonte e origem de tudo o que em mim acontece. Foi quando fugi para debaixo de mim, e acocorado vi que o céu só desabava à minha volta e eu era apenas uma pequena ilha perdida no imenso mar que é a vida. E deitei fora o chapéu que me tinha saído numa quermesse a favor de um lar de idosos. E deitei-me fora também.

Durante

O durante levou e leva sempre imenso tempo a passar. E o silêncio fazia eco nos meus ouvidos e a pouco e pouco transformava-se numa orquestra a atacar num fortíssimo. Foi, depois, ao luar, que a sombra recortada do meu desejo me ajudou a compor com Beethoven esta sonata. Fechei a porta para a noite não entrar porque não queria estar senão sozinho, comigo, e com a sombra do meu desejo. E a minha solidão começou a dar dentadas de ternura no luar, e tudo ia passando por mim menos o tempo, porque o segurei com as duas mãos para que não fugisse e me levasse a ele agarrado, tirando-me assim o prazer da noite que não via, mas sentia, e o prazer de ver o dia a nascer quando eu quisesse e não quando ele achasse que era tempo. E o durante foi sendo feito apenas do meu tempo.
E aprendi a inutilidade das palavras, e perdi a inocência porque sonhei que conseguia, por fim, fugir da realidade que me sufocava ao ponto de já não me deixar respirar.  Foi nessa altura que me sentei à direita das minhas ideias feitas e senti que o amor era vivido por mim sempre ao som das batidas, às vezes descompassadas, do meu coração alvoroçado, quase como num batuque africano onde pela primeira vez ouvi uma  sonata ao luar. E dei cor às coisas e aos sons, e fiz-me estrela cadente, para poder ter por quem me orientar.