sexta-feira, 1 de março de 2013

Todos

Todos temos que sentir que somos livres, intrínsecamente livres e, fundamentalmente, sentir o quanto devemos sentir dentro de nós, essa liberdade a ser.
E querer experimentar isso, pois a experiência de cada um com a vida, a todos os níveis e em todos os sentidos, deve ser consistente, totalizante, apreendente.
E é muito importante entrar dentro dos significados da experiência, sobre os impactos e as construções simbólicas da experiência. Experimentar é mais que ver. É poder interpretar o que se vê.
Ser eu e o outro, nunca deixando de ser eu. E como disse o Niemayer, que morreu um dia destes também há em mim "o meu sósia e eu" numa espécie de ponto de encontro entre os mais variados cursos da vida, num grafismo aberto à interpretação de cada um, pois para cada um tudo é olhado de uma maneira simplesmente diferente.

O meu dinheiro

O meu dinheiro, nesta idade, já só me serve para comprar as memórias que fui espalhando pelo tempo. Ou para comprar as histórias com que me fui vendendo durante a vida, e que agora, ando por aí a tentar  comprar, para que voltem a ser minhas, nas lojas de velhos onde só se vendem coisas antigas, perdidas, esquecidas.
Mas foram essas histórias que me fizeram crescer, e foi a crescer que fui fazendo a história das minhas memórias. De agora. Deste momento que passa. Neste tempo que passou e não me deu tempo de o agarrar. E acabou.
E viajei por dentro de um peregrino, e depois lavei-lhe os pés, e beijei-lhos, como quem beija a terra, aquela terra que anda sempre dentro de mim, a terra donde vim, a terra para onde irei voltar um dia.
Depois olhei o peregrino bem nos olhos, e vi neles a inteligência a brilhar e a dizer-me que sim, que tinha encontrado por fim a minha "via crucis", para poder então subir ao meu Gólgota e poder descansar da vida. De mim.
Mas estou falido. Já nem sequer tenho dinheiro para comprar dinheiro. Perdi todo o meu dinheiro e as minhas mãos ficaram vazias, sem nada.
Só mais tarde, é que apenas pude comprar um pouco de vento, pelo que acabaram por não me cobrar nada e parti então com ele, deixando que o vento me levasse tudo, menos a esperança.
Estava um dia lindo, e fiquei apenas com a alma cheia de bom tempo.

O pão nosso

O pão nosso, o corpo nosso. O vinho que se bebe é o sangue que corre nas veias divinas.
Mas o bêbedo morre de cirrose, e o condutor toldado pelo vinho morre deixando o seu carro ir por uma ribanceira abaixo.
E o corpo nosso, que nos embebeda o espírito e os sentidos, não nos deixa ver senão o espaço onde o tempo passa quase despercebido.
O meu sangue, este vinho, o meu corpo, este pão. E se "então sereis como deuses", amasso o pão e construo o teu corpo amado, que depois mergulho no vinho sagrado e é quando bebo o sangue da vida. O nosso corpo, o nosso sangue, a nossa vida a dois, há tantos anos !
O nosso tudo, que nos transcende, só porque nos amamos.