quinta-feira, 6 de junho de 2013

E resolvi

E hoje resolvi ir para a rua vender os meus sonhos ao desbarato. Resolvi ser pródigo e esbanjar a esmo o que não me tinha custado nada a ganhar. Só a sentir.
Por toda a parte se ouvem pessoas a dizer que "fazem uma atenção" sobre o preço de base das suas mercadurias, e eu também entendi que podia baixar o preço dos meus sonhos. Pensando bem o que é que eu ganhava em ficar com eles só para mim? Um bocado assim como os segredos, que, de que é que valem se não houver ninguém que os conte?
Desci então ao cais e parti no meu barco sem vela e sem leme, e deixei-me levar simplesmente pelas correntes até encalhar bruscamente, depois de muitos outros sonhos, na ilha onde sempre guardei as minha emoções e os meus afectos.
E a minha solidão fez-se anunciar por música, e ouvi distintamente o "va pensiero sull'ali dorate", enquanto com a música me fui escoando e transformando a música em palavras que não disse.
E senti-me inteiro como a mais pura e necessária realidade, pois tudo me foi dado como tudo o que é divino.
E as minhas lágrimas escorreram e fundiram-se em bronzes antigos, sagrados, que me contaram histórias cheias de beleza, que ecoavam melodicamente dentro do meu peito, enquanto se diluiam em ritmos estranhos, em cores sem nome.
E resolvi recolher nos nervos e nos sentidos imagens de um Sol que lentamente se apagava com as lágrimas que eu não conseguia conter.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Depois

Depois foi aquela necessidade de me afirmar a mim mesmo como um mistagogo, ao iniciar-me nos meus próprios mistérios e de alguém que mentia "tão completamente" que conseguia ser o mais acabado dos mitómanos.
E criei os meus próprio mitos, assentes num mito refundador de mim, numa forma de me esconder e de me mentir, dizendo só a verdade, de maneira a conseguir ser e estar sempre numa permanente ponte entre mim e mim mesmo, num presente em que conseguisse viver em simultâneo, também o passado e o futuro, como uma única essência criadora de existência.
Tal como na teoria do campo unificado, três são e sempre foram as formas de me sentir e afirmar como um todo, em mim.

Li tudo

Li sempre tudo o que tinha à mão e fui sendo influenciado por uns mais do que por outros, e interessei-me por tudo um pouco, neste decadentismo civilizacional em que nasci e tenho vivido.
Se por um lado a poesia pesou muito, desde Safo e Homero, desde Pessoa e Torga, passando pelo genial António Boto, por outro lado a filosofia de um Kierkgaard, com o Desespero Humano ou o Conceito de Angústia, ou de Nietzsche com o Assim Falava Zaratustra, prepararam-me para os modernismos franceses e os futurismos italianos para, por fim com  Heidegger sentir que todos  acabaram por me dar a pouco e pouco a possibilidade de ser eu e a minha sensibilidade, eu e a minha filosofia, eu e a minha poesia.
Entretanto li Teilhard de Chardin e comprometi-me com a existência da ontosfera, a consciência de um nada ontológico, e parti vezes sem conta à procura do meu ponto ómega.
Tudo isto e muito mais foi em mim mesmo um permanente acto criador.
E quando li Sartre também cheguei à conclusão de que "o inferno são os outros".

No meu dia-a-dia.

No meu dia-a-dia, para além daquilo que tenho que fazer, dou sempre muita importância a tudo aquilo que tenho que sentir.
E digo tenho, como imperativo real, para um poder fazer. E só posso fazer aquilo que sinto, e daí a minha loucura dispersa pelos outros e pelas coisas, por este eu ser "tudo de todas as maneiras".
E no meu dia-a-dia não posso passar um instante sem pensar, sem sentir, sem reflectir sobre tudo e mais alguma coisa, desde a cultura à religião, ou à espiritualidade, que é outra coisa.
No meu dia-a-dia há sempre esta ética de estar vivo e de ser vivo nas relações que estabeleço muitas vezes sem conseguir ser pouco menos que um frustrado porque os outros não me entendem.
Vivo no meio de um mundo imundo por definição antinómica.
Vivo porque sinto tudo no meu dia-a-dia.

Nem sempre

Nem sempre as palavras dizem o que se pensa, e muito menos o que se sente. As palavras nunca têm a riqueza do pensamento e muito menos a riqueza de um sentimento.
As palavras na sua inevitávem limitação têm uma duração, um ritmo, uma textura própria, para assim poderem, quanto muito, sugerir uma relação, nunca a relação.
Por alguma razão, em grego clássico, a palavra palavra tinha dois significados: remédio e veneno.
As palavras não passam do que resulta do movimento dos corpos, do movimento dos sons, que o vento provoca e arrasta consigo para os nossos infernos interiores.
As palavras dizem-se para nunca mais voltarem. Não amam.
E no entanto eu preciso das palavras para te dizer que te amo.

Os tempos

Os tempos de crise, afinal os tempos que são todos os tempos, senão o mundo parava, são tempos de mudança que aproveito para renovar o meu olhar sobre tudo o que me rodeia.
Coopero com outros olhares, e é-me mais fácil encontrar caminhos novos, diferentes, impensáveis até, mas que acabam por ser para mim propósitos narrativos de novas realidades, de novas formas de fusão, como em certas expressões artísticas, onde se funde música e dança, ou teatro, ou canto ou até nos quadros de uma exposição, à Mussorgsky, ou em que a música é a poesia e gesto.
E sou tudo isso, perdido em fusões, combinações, arranjos sucessivos, interacções permenentes na busca da complementaridade donde nascem as novas formas ou expressões de que me faço para enriquecer a relação.

Penso

Penso que cada vez me sinto um ser que é muito simplesmente um lugar de nomadismos artísticos. Enquanto artista de mim mesmo, vou andando de um lado para o outro, sem um tempo, sem um espaço, fazendo traços a que chamo luzes, brilhos, numa linguagem só minha, feita de olhares, imagens de sonhos já esquecidos e até de algumas palavras que invento para a ocasião, sem sentido, porque é nesse sem sentido que lhes encontro sentido.
E nómada que continuo a ser, penso que ainda não aprendi quase nada da vida, teimosamente agarrado a um tempo que nunca mais consigo que seja verdadeiramente meu, neste ser sempre Eu e o Outro, à Hermann Hesse, Narciso e Goldmund, Shidartta ou um vulgar Lobo das Estepes.
Amo, isso sei muito bem que amo.

E ouvi um grito

E ouvi um grito que vinha detrás de umas dunas, quando me passeava pelas areias do Guincho, à candonga, à espera de encontrar algum tesouro arremessado à praia durante a noite.
Olhei com atenção e pus-me de ouvido à escuta. Mas nada, só o marulhar das águas e o dos meus pensamentos. Mais nada.
Tinha sido concerteza um grito que como uma bomba em vez de destruir, desconstruiu os meus pensamentos que vagabundos por ali andavam, nas areias da praia.
Mas a curiosidade cresceu e num impulso, fui vêr. Tinha sido o vento, a alertar-me de que pisando como pisava a areia daquela maneira, inconsciente e neutro, sem querer ia pisando a vida, porque todos aqueles grãos de areia eram partículas de um todo, vivo e também apaixonado como eu, pela vida que sem me aperceber ia deixando escorrer das minhas mãos ávidas de sentir. De sentido.
Olhei o mar lá ao fundo, onde já não o conseguia vêr e senti-me completamente perdido.

É escuro por natureza

Cheguei cedo a Cascais. Tinha a manhã cheia de pessoas para ouvir e tentar compreender. Mais, tentar fazer com que se compreendessem a si mesmos, o que muitas vezes é muito mais difícil.
E voltei a ter que que me purgar dos meus fantasmas, de sacudir de vez a madrugada que teimava em me manter agarrado a ela, numa espécie de ciúme. Em boa verdade tinha dormido com ela ! . . .
E lembrei-me das tragédias gregas, sobretudo daquela primeira a partir da qual se escreveram todas as outras durante séculos.
Lembrei-me de Ansia e Abrocomes, os dois adolescentes que se amaram sem permissão, e senti-me mais uma vez a ir às origens de tudo o que tem sido amor sem esperança.
Onde começa o mal, essa teodiceia, que me remonta às origens da minha própria vida, às origens deste ser capaz de me fundir com os outros para encontrar o fio condutor que me leve a vêr claro, o que na realidade e por natureza, é escuro.
Cheguei cedo a Cascais e perdi-me por ruelas que inventei até ir parar a um beco sem saída, onde acocorado estava o que de mim restava depois da madrugada onde também tinha amado sem esperança.
O meu lado escuro é o que de mais claro tenho sempre dentro de mim.

sábado, 1 de junho de 2013

O brilho do teu olhar

O brilho do teu olhar, foi um outro sol que começou a fazer parte do meu sistema solar.
Um sol de angústias, porque afinal nem o consigo olhar, e se tento, sinto-me a cegar e com medo de que seja verdade o que alguém disse, de que "quem olha outro de frente é porque é louco".
Mas o brilho dos teus olhos é diferente, não me deixa sentir só, e embora co-existam a sedução e a angústia, é desse desassossego que vivo e que me faz sonhar cada vez mais com o brilho dos teus olhos.
Não, nunca é o fascínio de te olhar nos olhos que faz que desapareças como se um astro tapasse outro e houvesse um eclipse.
O brilho dos teus olhos, esse azul que é todo um céu que me extasia, não precisa nem de sol nem de dia, porque é um tempo em forma de eterna melodia.

Senti

Senti uma necessidade imensa de me purgar, como qualquer animal faz e procura comer certas ervas pelos caminhos e campos.
Ou de me confessar, embora só o pudesse fazer a um deus desconhecido, o que me deixava sem opção.
E purguei-me de leituras trágicas, mas também com outras que me fizeram rir. Purguei-me dessa purga imensa e constante que é o dia-a-dia de uma vida em procura.
E depois de me livrar de tudo o que tinha engolido sem mastigar, cheguei à conclusão que havia sempre outros à minha volta a precisar de se purgarem. Porque não tinham comido, sequer, e só tinham secressões. E fiquei confuso e sem saber se a minha secreta era a tese que apenas deveria defender perante os mestres, ou se a latrina onde esses outros se poderiam purgar das suas secressões.
Então escrevi, escrevi horas a fio, e foi com esse acto libertador que consegui exorcisar o desespero que me invadiu ao confrontar-me com a necessidade de compreender que não é lendo os outros que me acrescento alguma coisa, pois cheguei à conclusão que só lendo-me a mim mesmo consigo acrescentar alguma coisa à vida e até à minha vida.
Depois senti-me um cátaro perseguido e a quem tinham conseguido roubar os tesouros que me tinham sido confiados.
E senti uma dor imensa, a percorrer todas as minhas fantasias.

Quando me sento

Quando me sento numa pedra no alto de um monte, a lembrar-me de mim, de como eu fui, de como eu era, vejo que as minhas memórias se perdem sempre pelos desertos onde me aventurei tantas vezes, e a viver tantas vidas.
Depois desço do monte para o deserto de mim e em que à noite acordo sobressaltado, pelo grito assustador que as rochas dão no deserto, quando estalam e se fendem com o frio gelado da noite a seguir ao calor tórrido do dia.
E eu sou essa amplitude térmica que aprendi a ser quando vivi no deserto e só me alimentava de tâmaras e gafanhotos.

Passo na rua

Passo na rua e sinto-me invadido por todos os cheiros da vida. É quando reparo que há olhares que cheiram, sorrisos que cheiram, gestos que cheiram.
Tudo, afinal, é um imenso cheiro à minha volta, e que me irrita a pituitária.
Há perfumes mas também há maus cheiros, a óleos queimados e podres, esquecidos em motores ou em corpos velhos e mortos, abandonados ao sol, ao vento e à chuva, as tais três irmãs caridosas, que a todos nos tocam ao de leve em tempos de calmaria.
A minha pituitária apenas sente o vento que passa apressado para me fazer respirar embora por pouco não tenha pisado um charco de pituita, esse vómito viscoso que os bêbedos têm pela manhã.
E encaminho-me para a abra do meu descontentamento, mas onde sei que tenho sempre lugar para fundear o meu barco interior.
Mas tudo foi vida, naquela rua e apesar de tudo, e quando reparei que choravas, cheirou-me a ternura, a uma ternura imensa. E dei comigo a beijar-te esse cheiro.
E passei pela rua a assobiar tristezas já esquecido do que lá tinha ido fazer.

Um instante

Um instante, que deverá durar sempre, que um dia teve um começo, mas a que nunca se lhe conseguirá conhecer o fim. O instante, que é feito da eternidade do instante. Só disso, o que é imenso!
Um instante, apenas um instante, é a poesia do tempo que revisito sempre quando me sinto, quando me penso, quando me perco em devaneios e outra formas de ser lúcido.
E esse instante que permanece em mim é o instante que me faz manter vivo, e em que a minha sensibilidade poética é uma reminiscência do gesto, de quem abandona a luta e se retira da arena, ou do palco desse imenso teatro que é a vida.
Há uma crueldade nisso, e há também um qualquer sentimento que chega a ser obsceno porque contém em si, um olhar devasso que olha mas não vê. Pressente.
Enquanto vivo sinto que vou poluindo o ar à minha volta, e as interpretações das pessoas e os actos que resultam delas, são olhares que se perdem no vazio da incompreenção de tudo o que escrevo, nesse ar, cada vez mais poluído.
Sou poeta enquanto ausente de mim, mas sou eu enquanto consigo ser o poeta que vive em mim.
E tudo é um instante, no instante de ser instante.

Respeito

Respeito, com o res pectum com que oiço tudo, vejo tudo, sinto tudo. Essa coisa do peito, que uso sempre para me relacionar com tudo o que não é meu, mas também com tudo o que também é meu.
O outro, sempre o outro, é o objecto desse respeito, e o sujeito desse res pectum porque eu e o outro somos um quando nos amamos, a viver a tal equação do Almada Negreiros, de que 1+1=1.
Só que há sempre diferenças o que nem sempre é muito linear. Às vezes até as coisas simples não o conseguem ser de facto.
Viver simplesmente é fácil, o que não é fácil é ser-se simples.
Mas é na diferença que existe a completude, e é pelo respeito que o res pectum é humanitude.
É uma desplicência, esta, em que sou sempre o tal diletante, como me chamava o meu Pai.

Procuro viver em Paz

Procuro viver em paz com a vida, com os outros e sobretudo comigo mesmo. Nem sempre isso é tão fácil como pode parecer à partida o que acaba por ser um constante desafio. Ou uma agonia, no sentido grego da palavra.
É um esforço apaziguador o que faço, este de tentar sempre fazer as pazes com o mundo, com este, de que sou parte, e face à realidade que me circunda,  e de que não posso fugir, ir aceitando como disse Schiller que "até os deuses lutam em vão contra a estupidez".
Acredito que o tempo é de facto um grande escultor, e que só o tempo tem tempo, e os deuses, eu é que não, o que me faz sentir reduzido a um quase nada, quando me confronto com esse tempo de que nunca percebo nem o princípio nem o fim. É uma espécie de vento!
Até chegar a um ponto qualquer que me satisfaça, sofro, ao sentir que não sou capaz de mais, que me faltam as forças, "o engenho e a arte, e que só me resta dizer poemas, ler poemas, convencido que só neles é que vivo o milagre da palavra, da linguagem, da comunicação.
Procuro viver em paz, porque só assim consigo viver o Amor.

Cultivo a arte

Cultivo a arte, no sentido alargado, das artes,  o que pode ir até à conversa ou à desconversa,  o que não deixa de requer inteligência e atenção.
E posso chamar-lhe a "A Arte de Conversar", não tendo no entanto qualquer intenção de plagiar Ovídio, mas de apenas pôr em verso aquilo que digo e oiço os outros a dizerem-me.
Há um sem número de coisas que para mim são arte, onde tudo gira muito à volta das cores e dos sons que me perpassam os sentidos a toda a hora. À volta dos olhares e dos gestos, em que tudo para mim é organizativo, reorganizativo, num universo que pretendo sempre aberto e plural, cheio de tudo o que possam ser perguntas, inquietações, dúvidas, e até uma certa amargura por me fazer sentir aquém do próprio sentir.
Não vivo em função de dogmatismo nenhum, e penso que não tenho complexos além daqueles que são inerentes à minha condição de humano.
E faço-me perguntas mais ou menos socráticas, mais ou menos aristotélicas, para acabar por concluir quase sempre com Francisco Sanches e o seu "Quod Nihil Situr". E como para mim é cada vez mais claro que "nada se sabe", sinto-me o tal desarrumador de ideias como me chamou um dia o meu amigo António Pinto Leite, quando fez a apresentação de um dos meus livros.
É que dou comigo a jogar com as ideias e com os sentidos, e a jogar-me a mim mesmo num poker que nunca soube jogar, só para ter o prazer de perder.
A arte também está em ser-se nesta imensidão que é Ser. E sou tudo, naturalmente, convivendo o melhor que posso com o ânimus e a ânima que tantas vezes de se digladiam dentro de mim, fazendo-me sentir a viver sempre um misto de poligamia e de poliandria.
E cultivo as artes, a Arte, esta, de viver com tudo isto, de conseguir ser tudo isto, sem nunca, no entanto, deixar de ser eu.

Frei Luis de Sousa

Lembro-me sempre de ter lido com gosto o Frei Luis de Sousa, no meu quarto ano do Liceu. O professor de português, Manuel de Sousa Tavares, a quem nós chamávamos Manuel de Sousa Coutinho, era um homem de literatura, de fado e de poesia. Um humanista!
"Romeiro, Romeiro, quem és tu?"
E esta pergunta ainda hoje me continua a martelar a memória, sobretudo a memória dos meus sentidos, porque ele dizia-o como só um herói-trágico como ele era, podia dizer. Fascinava-me!
E lembro-me que depois se sentava no estrado, com a cabeça entre as mãos como se chorasse. Não se ouvia uma mosca. E então, levantava-se lentamente como se fosse um espectro e dizia abrindo os braços: "Ninguém"!
E eu, passados estes anos todos, continuo sempre a dar também a mesma resposta que ele dava: "Ninguém"!