segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Jorge Luís Borges

Dizem que todos os caminhos vão dar a Roma. Não sei bem, e se calhar não é bem assim. Os meus caminhos, por exemplo, nem sempre. Alguns vão com certeza e levam-me a ver as esculturas de Bernini, sobretudo o David, em esforço, trincando a boca, num movimento tencional que reflete o Barroco de uma maneira extraordinária, ou os quadros de Caravaggio.
Os meus caminhos vão-se bifurcando ad infinitum, e é quando me lembro de Jorge Luís Borges e do seu "O Jardim dos Caminhos Que Se Bifurcam".
E disperço-me, nesta interrogação de se Borges era um filósofo poeta ao invés de Fernando Pessoa que era um poeta filósofo. Tanto um como outro tentaram sair de si e ser outros. Como eu, tantas vezes sou assim tantas vezes. Uno e plural, nos amores por que me perco, pelos caminhos que sei não me levarem a lado nenhum. Também eu peço "oh! não me dêm definições".
Estive, e conversei com Borges duas vezes e não sei se foi numa dessas vezes que ele, com aquele olhar parado mas inquieto de cego tardio, disse mais ou menos isto: "Na realidade não tenho a certeza de que existo. Sou todos os autores que li, toda a gente que conheci, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei, todos os meus antepassados." Como Fernando Pessoa quando dizia "ser tudo de todas as maneiras" e "plural como o Universo", também eu me sinto isso tudo, sou isso tudo, na desenfreada busca de mim, num esforço que nem David foi capaz de fazer, sem saber também se não sou apenas uma invenção de mim mesmo, num amor que se perde e esvai, embrulhado numa nuvem de segredos, porque não quero que ninguém saiba quem sou. Nem eu.

sábado, 8 de outubro de 2011

Crise

Não sei se são as crises que fazem os homens ou se são os homens que fazem as crises. A verdade é que continuo a saber muito pouco sobre os homens e sobre as crises. Mas penso também que se não houvessem crises não haveria história, porque a crise acaba por ser o motor da história, no seu constante fazer-se e refazer-se numa escrita ad infinitum que possivente, para cada um de nós só acabará com a morte. Ou com a morte da morte, pois ela também haverá de morrer um dia. Porque nem a morte é eterna. Só a vida.
Mas não é bem a morte de que se está habituado a ouvir falar. É um eu agora que só tem justificação se houver um eu depois, e que toma a forma de um mundo dentro do mundo, e em que esse é o meu mundo a quere ser mundo, liberto da morte, do imundo.
Quantas vezes já morri sem ter percebido que morria. Quantas vezes a morte me negou a possibilidade de ter percebido isso. Quantas vezes me deixei morrer só por saber que não morria. Quantas vezes passei por ela e fingi que não a conhecia.
E ouvi Chopin até à exaustão, e nessa repetição quase mântrica fui-me ouvindo. Os meus ouvidos de tísico foram-me dando sempre um Chopin igual enquanto ia sendo diferente.
É por isso que ando sempre à procura de alguém, na esperança de nele me encontrar, de me sentar depois ao piano e tocar, para uma George Sand, baronesa de Dudevant, que gostou de Chopin mas também de muitos outros. E parei, as mãos quietas nas teclas de marfim. Também eu a tinha amado até à tuberculose, também ia tocando nocturnos dentro de mim, enquanto a morte me rondava e eu me ia rindo dela, acabando por arranjar uma grande confusão entre mim e ela, de que no fundo o resultado sou eu, numa crise que me faz partir, e escrever para me provar que a crise me ajuda a ser cada vez mais eu. Sou crísico, logo existo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Amizade

Viver a Amizade, talvez a mais pura e forte forma de Amar, é do que de mais difícil pode existir na vida, e entre duas pessoas, por ser feita de permanentes renasceres, sem dependências nem desejos, apenas numa contínua busca da perfeição e do equilíbrio, como afinal só nos contrários se encontra. Na harmonia dos contrários. Ou na harmonia dos desejos. No fundo o nada desejar também não é exactamente o meu Nirvana.
Na Amizade a aproximação é sempre assintótica, porque, como na geometria, para uma curva plana, é uma linha em que a distância entre um ponto P sobre a curva, e a linha, se aproximam do zero, quando a distância do ponto P à sua origem aumenta indefinidamente, isto é, por mais que se aproxime da recta, nunca a chega a tocar.
Porque tocar seria atingir o absoluto, e a nós humanos, e como já dizia Píndaro nas suas "Odes Pindáricas", só nos resta rasgar as fronteiras do possível.
Duas rectas só se encontram no infinito, dizia Euclides. Mas e o que nos trarão de novo as novas geometrias? As não-euclidianas?
E penso nos fractais, por exemplo, ao possuirem uma dimensão fraccionária e apresentarem uma auto-simitude nas suas figuras.
Monet aboliu o espaço. Manet aboliu o tempo, ou fê-lo de momentos na sua pintura.
Não pinto, mas também faço de momentos as Amizades que vou podendo viver. E vivo-as também sem espaços e sem tempos. Vivo-as.
E acabo por pensar que para mim, as geometrias variáveis são as que melhor se adaptam às minhas singularidades. Ou então ser plural, como disse o Poeta.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Tantas vezes

Tantas vezes dou comigo a gostar em mim só daquilo que mais odeio.
Olho para uma caricatura que o Bordalo Pinheiro fez de um antepassado meu, e sinto-me também eu caricaturado. Mas por mim, não por ele.
Como Caravaggio se retratou tantas vezes. Ou Rembrandt.
Só que eu apenos consigo pincelar o avesso do meu direito.
E as cores são sempre as mesmas. Duas.
O branco e o preto.

Nada é tudo

Nada é tudo.
Nunca consigo ser muitas coisas ao mesmo tempo, mas arranjo, nem sempre da melhor maneira, forma de ir somando tudo aquilo que em mim sinto que há de incompleto.
E depois faço disso uma ilusão, porque me dá jeito.
Sim, em nada encontro tudo, nem no tudo consigo encontrar o nada.
Se me busco, é porque sou um curioso, que acredita que hei-de estar em qualquer lado. Mas não sei onde. Ou sei! Devo estar nesse nada que é o tudo. Depois, é nesse tudo que me sou nada.

Na vida

Na vida, o que me interessa mais não é viver, nem é estar sempre à espera de encontrar formas novas para continuar vivo.
Na vida, o que me interessa de facto, é o interesse que tenho pelo mistério que é viver.
Mais nada

domingo, 2 de outubro de 2011

Senti-me só

Senti-me só. Senti-me sem antes nem depois. Cheguei a sentir-me naquele momento patético em que às vezes rezo a um deus desconhecido, só na esperança de que ele me olhe e me reconheça.
Depois pensei em ser depois. E depois senti que vivia, desde há muito, desde há muito tempo antes. E senti-me só com Deus, desde há muito tempo antes e até depois.

Vasculhei

Vasculhei o mundo inteiro. Andei por sítios incríveis. Propus que me matassem, esquartejassem, e me atirassem aos quatro ventos. Deixei-me perder em sonhos aterradores. Tentei tudo o que me pareceu impossível. Acabei por tentar a própria tentação. Mas nunca consegui encontrar um sítio onde pudesse guardar as minhas dores.

Escrevo

Escrevo para esconder pensamentos. Escrevo para me poder esconder nas palavras que não digo. Escrevo para assim esconder as almas de que me faço. Escrevo como quem sonha sonhos que já há muito tinha sonhado. Escrevo para me sentir perto de ti, perdido nesse teu universo em que me sou enquanto ando à tua procura. Escrevo para me poder calcorrear pelas estrelas do teu sentir, e sentir que elas é que me ensinam o caminho para até ti poder chegar. Escrevo para esconjurar os meus medos, guardados a sete chaves dentro dos meus fantasmas. Escrevo para dar uma cara à vida e para dar uma alma ao sonho. Escrevo para me esconder do que digo, do que te digo, meu amor, sem palavras.
Escrevo para poder sentir melhor as garras da história a cravarem-se com toda a força, bem fundo, no meu peito já dorido.
Escrevo porque sei que o mar é uma imensa lágrima que também chora de tristeza quando me olha e vê a escrever e adivinha como tenho a alma partida, repartida, perdida um pouco em tudo aquilo que escrevo.

Guardei

Guardei nos bolsos esse teu olhar, e depois guardei dentro dos teus olhos esse teu sorriso.
Depois deitei-me debaixo de uma árvore que há muito tinha secado, e sonhei que estava vivo, e que os meus olhos choravam com medo de te perder.
Depois, chorei ainda mais, porque comecei a sentir que o vento me continuava a trazer os teus beijos.
Depois guardei esse sonho que sonhei, como se guardasse um carta de um amigo que há muito julgava perdido.
Guardei depois dentro de ti tudo o que de mim me restava.
Dei-te tudo e fiquei sem nada. Foi só isso que guardei.

Fui

Fui a caminho do meu vazio. Passei por cima das cinzas do meu passado, e sempre em busca do branco puro que só há no cimo das montanhas onde te escondes, e dei comigo só e gelado.
E fui-me despindo de raivas, ressentimentos, desilusões, medos, invejas, malquerenças, ambições, ciúmes, enfim, de tudo o que me pesava nas costas e por fim pude atirar para dentro do meu vazio.
Foi quando encontrei outros espaços, onde couberam só as coisas que valia a pena guardar, como o teu olhar, como o meu pensamento limpo e livre para se poder abrir a novas sensações, a novas formas de te sentir e experimentar, a novas formas de me conseguir espantar.
E fui-me libertando de tudo a que me sentia acorrentado deixando-me penetrar pelo novo, pelo diferente, pela paz a que sempre aspirei, mas para que ainda nunca tinha encontrado um espaço dentro de mim onde guardar.
E fui, e continuei a ir. E fui sendo cada vez mais eu. E fui, aos tropeções, montanha abaixo, cair dentro da tua boca aos beijos.