quarta-feira, 6 de julho de 2016

Aflige-me

Aflige-me a ideia de um dia perder a memória, de me esquecer de ti, ou, pelo menos, dos bons tempos que passámos juntos, em que não só os nossos corpos se juntavam mas as nossa almas e os nossos sentires também. Penso que tudo é preferível à "deslembrança", porque me sentiria sem passado, e se me sentisse sem passado, sentir-me-ia sem presente, num não ser que me havia de enlouquecer.
Passeei-me pelas ruas em busca de outras arquitecturas, umas mais antigas, outras mais modernas. Em Art Deco, como me contava o meu avô quando tinha estado em Paris na exposição das Artes Decorativas. E pensei nos arquitectos já do meu tempo, Max Abramovitz, Óscar Niemeyer, Le Corbusier e no que terão pensado os nossos Norte Júnior, Bernardo Cassiano Branco ou o Ventura Terra. E Rainer Maria Rilke a dizer que a natureza da sua origem é que julga uma obra de arte. A natureza da natureza. E comecei a recuar um pouco no tempo.
E parei em Francesco de Borromini e em Gian Lorenzo Bernini. Como adoro Bernini!
E fico outra vez aflito porque me sinto escravo deste não saber quem eleger. Como dizia Séneca nenhum vento sopra de feição quando não se sabe para onde ir. E o meu fim aproxima-se porque já não sei dizer coisas importantes. E os dias tornam-se iguais, sinal aflitivo de que deixei de perceber as coisas. Choro por um corpo saudável, por um coração feliz, por uma alma em êxtase, por uma mão na minha a caminho da nossa Noite Transfigurada. Ao longe a música de Schoenberg.
Mas aqui ao lado o coração que eu amo e com quem vivo o dia a dia há tantos anos, de olhos dados, de olhares dados que são tudo de que mais precisamos para nos amarmos sem limite.

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