terça-feira, 27 de novembro de 2012

Um dos meus lados e o outro.

Um dos meus lados é mais falador ; o outro é mais contemplativo.
Oiço tudo o que me quiseres dizer, contar, e fico muitas vezes a chorar por dentro, para que ninguém me veja a chorar. E é calado que te digo sempre tudo isso.

E tenho um imenso cuidado com o que desejo, como te desejo, porque muitas vezes consigo o que quero, e há como que uma competição a desenrolar-se dentro de mim, num eu-tu desejado, sendo que sou ao mesmo tempo o palco e o espectador, o vinho e o bêbedo, amortalhado, não sei se de sono se de sonho, num vinho que inventei, só para te dizer um segredo.

O que me custa muitas vezes não é ouvir-te, mas ser capaz de me ouvir nas palavras que tu me dizes e depois sentir-me atirado para um degredo qualquer, nos confins de um mundo que trago sempre comigo, e que é meu, mas também teu, para na solidão sofrer tudo o que não consegui ouvir de ti.

E vou à boleia de um vento, que não é só nosso, mas está fundido, enrodilhado com os outros ventos que por nós passam e ateiam um incêndio em que me sinto Nero, a deixar que tudo arda para depois poder ter pena e ter razões para chorar quando da minha Roma interior já só restarem cinzas a esfriar.

E é quando encontro Deus numa sinfonia de Brahms, num nocturno de Chopin, numa peça de violino de Sarasate. Ou em Bracusi. Ou em Rodin a pensar. Ou Miron a fazer-me de discóbolo.

E é com pedaços deste amor que em ti sonhei e sonho desde que te conheci, que moldo um outro amor que esculpo em pedra, pensado-me Bernini a esculpir o David em Esforço, com os dentes cerrados a fazer girar a funda e que recortei depois em ti o azul que em ti adoro mas que é o meu desassossego, o tempo de um meu descontentamento, porque o azul é meu e teu, é só nosso, mas que é um azul que não existe, porque nada existe senão este amor que te tenho neste à procura de um tempo que irremediavelmente perdi.

E depois de te dizer isto tudo, ou quase tudo, fujo, como um pecador arrependido para o meu lado contemplativo, a ser o estagirita de uma Macedónia que amei em Alexandre.

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