sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Quando

Quando era pequeno, mais novo, todas as pessoas à minha volta eram grandes e velhos e eu olhava-os como quem olha para o palco de um teatro, e o vê cheio de figuras a representar uma peça qualquer, de que nunca percebia o enredo.
E sentia que apesar de ser pequeno e novo e de não saber muitas palavras nem como as juntar, eu tinha muitas coisas para dizer àquela gente toda, só que estava convencido de que nunca me entenderiam nem sequer me ouviriam.
Mais tarde, quando já era mais velho, voltei a sentir-me assim, só que vi que o palco estava muito mais vaziu, com muito pouca gente, e eu também tinha muito menos coisas para lhes dizer.
Não havia ninguém a fazer pantomimices, e embora eu já soubesse e percebesse muito mais palavras,   os gestos, as lágrimas e as gargalhadas, que aquela gente dava no palco, pareciam-me muito mais falsas. Tinham o olhar parado, vago, e pensei em Virgílio Ferreira quando dizia que a inteligência é algo que se vê nos olhos. E os olhos delas não deixavam transparecer coisa nenhuma.
E percebi cada vez mais que toda aquela gente estava como que a querer convencer-se de que tudo o que dizia estava certo, e que tudo o que fazia era correcto, porque estavam a representar um papel que não era o deles, e sabiam-no, mas o que os outros, o mundo, lhes tinha dado para decorarem e fingirem que era o deles. E assim se iam deixando viver, a encolher os ombros.
E eu de facto cada vez mais me convencia de que este mundo é um fingidor.

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