sábado, 5 de novembro de 2011

Covas

Por mais covas que abra no cemitério do meu sentir, nunca nenhuma delas será tão grande que nela caibam os meus sonhos mortos, nem tão pouco a lucidez com que os sonhei e que agora me fazem ver-me a partir de mim, para longe de todos aqueles que ainda amo. Porque já só de longe os amo. Só de longe os sinto. Porque cada vez mais me sinto longe de todos e de mim.
Depois pensei em fugir, mas começou a acontecer-me como naquela escultura de Gian Lorenzo Bernini, "Apollo e Daphne", e também eu me fui transformando em árvore, e fui criando raízes, e folhas, e troncos, e todo o meu corpo acabou por ser uma imensa floresta de enganos, para poder sentir o tempo a passar por mim, feito aragem a cheirar a maresia, a cheirar a tempo e a terra, a cheirar aos cheiros de todos aqueles que por mim passaram e amei.
E senti vergonha e uma imensa tristeza, e as minhas lágrimas foram toda a mágua de que o meu corpo é feito, e correram sem sentido nem destino pelo meu olhar em espanto. E continuei a abrir covas já sem saber para quê, como que apenas para vasculhar o mundo e nele conseguir encontrar um sítio seguro e belo onde por fim possa guardar a minha dor.

Sem comentários: