domingo, 27 de novembro de 2011

Às vezes

Às vezes tenho que fazer festas a mim mesmo, como se me consolasse por ver passar por mim tanta gente que não me abraça. Nem me olha. Não dá por mim, sequer.
Arranjo-me, penteio-me e ponho uma água de colónia suave, como se fosse sair a procurar alguém que desse por mim e me olhasse. Se enternecesse comigo e me desse um sorriso para eu levar para casa, como se fosse um doce e guardasse para depois o saborear com uma chícara de chá bem forte.
Vou ao espelho e ensaio um certo sorriso  -  e lembro-me de Francoise Sagan  -  enquanto depois fecho a porta e desço as escadas. Já na rua olho distraidamente atento para tudo o que me rodeia e por onde vou passando. Sento-me depois num banco de jardim e apanho sol. Depois acabo por me enfadar e volto para casa, outra vez sozinho comigo, com o coração rasgado e a bater descompassado por não ter encontrado um personagem para a história que me vou contando sem saber que já a escrevi há imenso tempo e que já nessa altura tinha encontrado um.
Sento-me no sofá da sala e olho com esse meu olhar distraidamente atento, para os quadros que tenho espalhados pelas paredes. Eles também são histórias. E sinto-me a parar no tempo, com eles, à medida que vou olhando para eles, um a um, e a ser desse tempo, do tempo deles, como um som que se perpetua pelos vales da minha memória já cansada de tanto me tentar lembrar de mim, quando eu era outro e nunca me sentia só.
E sinto-me traído pelos anos, pelo tempo, com esse tempo com quem, confesso, nunca tive uma boa relação. Sei que a pouco e pouco, insidiosamente, os anos foram dando cabo de mim, entre sorrisos e  graçolas, como se alguma vez tivéssemos tido uma qualquer relação de amizade. Fui iludido, e a verdade é que mais cedo ou mais tarde todos acabamos por ser iludidos, e é de ilusão que acabamos por morrer.

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