segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Interrogações

Sei ou penso saber, que, de algum modo, somos um, e é por isso que pertencemos a uma coisa a que se chama civilização.
Mas será que tudo é igual para todos? E o amor? E esse teu olhar que guardo ciosamente, como só meu? E as lágrimas que só por ti choro?
É pelo diferente e pelo contrário que vamos sendo, mas até quando?
E lembro-me daquele fado que o Carlos Ramos cantava, "não venhas tarde". E fico a pensar que um dia também acabarei por ouvir "não venhas cedo".


Afinal acabo por chegar à conclusão de que todos somos o tal "cadáver adiado" de que fala o poeta.
E eu? O que vou eu adiando, na esperança de poder um dia viver?
Ainda vou tendo carne, e dentes, e nervos, e voz, e unhas com que arranhar o tempo e poder gritar por ti. Tenho. Mas tenho o quê, se já não tenho esperança?
Sei que sem esperança não posso viver. Será que é feita de ar?

Vou-me fazendo da vida que vou vivendo.
E caminho como um cego, guiado apenas por um "para onde não sei". Mas que no entanto sinto, e é nesse sentir-me que vou aprendendo que o meu destino sou eu, embora não seja eu a traçá-lo.
Cego, toco a vida de ouvido, no meu violino sem cordas e sem alma. Toco notas que vou pensando, enquanto vou andando por caminhos que nunca encontro.


Nunca percebi se no dia em que nasci, também foi o dia em que morri. E esta sensação de poder ser póstumo de mim, faz com que me apaixone pelas ciências inexactas, porque nunca me dão resultado nenhum. Não têm começo nem fim.
E porque me hei-de interessar por resultados, se eles são sempre um acabar, um ponto final no parágrafo de mim?
E depois fico sempre com esta pergunta: será que eu um dia também nasci?

Pergunto-me muitas vezes "para onde vais?" E sei que não sei, é escusado, a não ser que não vou por onde os outros gostariam que eu fosse, e me dizem mesmo para ir. E insistem.
Orgulhoso? Soberbo? Penso que não é isso exactamente, mas porque sou um insatisfeito, um inacabado, um por acontecer, por nunca me chegar a concluir. Sempre em devir, isso sim, sempre em devir.
E perdido de todos como quem se perde de si, sem lugar, sem uma pedra sequer, onde deitar a cabeça e descansar, não cabendo em parte nenhuma, terra, estradas, montes, mares, desertos. Em parte nenhuma. Nem na parte que me cabe só por estar vivo, mas onde mesmo assim não caibo.
Não, não tenho caminhos que me cheguem. À minha frente o tudo e o nada confundem-se, e para me distrair ponho-me a ouvir o Adagietto da 5ª sinfonia de Gustav Mahler.


Se ser é ser diferente, como disse Karl Jaspers, como consigo eu, às vezes, ser diferente sem ser?
Tenho pena de ter perdido um livro em que ele dizia isto. Mas também já perdi tanta coisa na vida, que até já me é indiferente ser ou não ser diferente.
E se continuo a ser sem saber quem sou ou o que sou, resta-me ter amanhãs e procurar ser eterno. E a diferença estará nisto: se me pergunto, é porque existo.

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