sexta-feira, 9 de julho de 2010

O SONHO E A FOME

Eu sei que os sonhos passam mas que a fome dura toda a vida. Esta fome que já não te sonha mas que só pode ser mitigada por ti, num quase querer ter fome de fome, neste sofrer de mim, onde tu queres que eu me ponha.
Os sonhos que sonhei debaixo daquela figueira brava, acabaram por morrer e eu acabei também por os esquecer. Depois, muito depois, olhei angustiado para a figueira brava e ela ainda lá estava. Eu é que já ia muito longe, agarrado ao sonho que me sonhava.
E sempre a sonhar lembrei-me de quando te comia baga a baga até chegar à flor do tempo, ao fruto de todo este esquecimento, de não seres mais do que uma figueira brava.
Partiste e eu voltei a sonhar-te, imagem que não perdi, por entre as cores e os sons, que depois pintei e compus, só para ti, enquanto o meu coração se lembrava do teu olhar, dos gestos que me diziam não, daquele futuro que eu nunca mais queria ler na tua mão.
Riscos, traços, poros abertos pelo suor da vida, tu eras tudo, e a tudo tu me cheiravas, por tudo tu me deixavas, nesta ânsia de te ter, de te ver um dia ao meu lado a pintar e a compor, os dias de que fizemos os dias, o tempo de que fizemos o nosso envelhecer, na fome de nos querermos sonhar deitados, lado a lado, debaixo dos ramos daquela figueira brava.
E puz-me a imaginar Sísifo feliz, apesar! Olhei depois para o céu e soube quem eras, que nome te podia dar. Olhei depois para o inferno, perdido sem saber como lhe chamar, nem onde nele ir buscar o inferno dos teus olhos, desse azul feito de mar, desse teu gesto que sempre me soube encontrar, para me dar a benção, in articulum mortis, enquanto duas tubas tocavam, uma baixo, outra tenor, equilíbrios que me encantavam.
Foi quando peguei no meu eufónio, e fui um nibelungo qualquer que inventei nessa altura. Toquei sem saber o que tocava, num improviso de mim, num azul de que me fazia, sem ter fim, nem princípio, numa areia em tons de azul onde pisávamos os nossos próprios passos até nos perdermos pelas dunas deste nos sentirmos, por ares e ventos, esfomeados, restos de sonhos sonhados, debaixo daquela figueira brava donde já não se podia ver o mar, lá ao fundo, onde tu estavas.

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