sábado, 18 de outubro de 2008

Ultima mensagem do meu pai antes da partida (para esta batalha que se avizinha com esta enorme massa de água)

À semelhança do que tem acontecido nestes dias em que tenho estado longe a preparar esta enorme aventura, o meu paizão escreveu-me mais uma das suas histórias. O que me espera é uma dura batalha, não contra um inimigo poderoso, mas contra este mar que tanto amo e que tanto me tem feito pensar. É numa parte deste mar imenso do nosso planeta que espero amanhã pensar na minha familia e em todos aqueles que tanto me têm apoiado ao longo destes tempos e em todos ganhar a força para conseguir acabar a travessia.

Aqui vai a história escrita pelo meu pai na certeza de que em tudo o que escreve é inspirado pela minha mãe.
Até amanhã

Do Pai:
O dia da batalha aproxima-se e por isso hoje vou socorrer-me de uma conversa entre Cambises e o filho, o grande Ciro, ainda não era ele rei da Pérsia.

Os Assírios preparavam-se para invadir os Medos e Ciaxares, irmão de Mandane, mãe de Ciro, pediu ajuda aos Persas. Ora Ciro já sabia que para merecer o epíteto de bom guerreiro não bastava saber desfechar o arco, lançar o dardo, conduzir um cavalo, mas, sim, nas ocasiões difíceis não se deixar vencer pelas vigílias e pelo cansaço.

Mas não deixou de ouvir o pai, Cambises, que insistiu em o acompanhar até à fronteira.
"- Filho - disse-lhe Cambises, quando marchavam par a par - é evidente que os deuses nos são propícios. Não é também a tua convicção? Estou persuadido, pois, que estás habituado a interpretar pelos sinais celestes a vontade dos deuses, e nisso me esmerei a instruir-te para que não ficasses à mercê dos arúspices (que previam o futuro), que são muitas vezes uns pantomineiros que explicam os prodígios ao sabor dos seus interesses e compadrios.

- Meu pai - respondeu Ciro - farei sempre o possível por grangear a proteção dos deuses e merecer os seus celestiais avisos. Lembra-me ouvir-te dizer que a maneira de ser ajudado por eles era não esperar a hora adversa para lhes fazer as rezas e encomendações. Na prosperidade é que tais votos são meritórios. E quem diz os deuses, diz os amigos.

- Muito bem - aprovou Cambises. - mais uma razão para agora ires confiado e te felicitares de oportuno procedimento para com os deuses altíssimos.

- Sim, meu pai, estou convencido que sou ajudado pelos deuses.

-Não te esqueças também dos conselhos que sempre te dei: o homem instruído leva sempre a melhor ao ignorante; o trabalhador ao preguiçoso; o sensato ao temerário. Tem ainda sempre presente ao espírito que os deuses apenas concedem seus favores aos humanos na medida em que são dignos deles."

Pois meu adorado Miguel, foi com histórias que Xerazade conseguiu, nas 1001 noites, vencer e vencer-se. Vai-te contando histórias ao ritmo das tuas fortes braçadas. Eu por cá, também vou fazendo das histórias que me conto e te conto, a maneira de passar o tempo, e de fazer do tempo, o tempo do nosso reencontro, nas praias da nossa alegria feitas do nosso amor.

Se calhar há quem não entenda estas histórias, nem porque as vamos contando um ao outro. Mas há tantas coisas que os outros não entendem!

Lembras-te daquela frase de Virgílio, na Eneida, que pus no princípio das "Cartas e Outros Contos"? Pois dizia "Si forte virum quem conspexere, silent!" E que numa tradução poderá dar "se encontram um verdadeiro Homem, emudecem!"

Sê sempre o verdadeiro Homem perante quem, os outros emudecem.

Um beijo, feito deste silêncio que grita quanto nos amamos.

Pai

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