quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Quando eu lia filosofia aos 15 anos

Estava eu no então quinto ano do liceu, e vivia desgostoso porque ainda não tinha a disciplina de filosofia. Mas ia lendo o que ia arranjando. Ora um dia, o professor de história, que se passeava sempre entre as carteiras, dá de caras, em cima da minha carteira com um livro que achou espantoso estar eu a lê-lo: "O Desespero Humano", de Kierkegaard, conhecido pelo patriarca do existencialismo. Isso é um livro impenetrável, como é possível estar a lê-lo? disse-me ele estupefacto. E lembro-me de lhe ter respondido: gosto de ler pessoas que são outras. Franziu a testa. O quê? 
Sim, respondi, tal como gosto de Fernando Pessoa. 
Não sei bem o que ele terá ficado a pensar mas eu continuei a ler os dois. 
Sabia que Kierkegaard escrevia muito sob outros nomes, tal como Pessoa. E ainda não se conheciam naquele tempo metade dos seus heterónimos.
Mas sempre me fascinaram as pessoas que são muitas. Enquanto Kierkegaard assinava como Constantin Constantius, Johannes de Silentio ou Vigilius Haufniensis, Pessoa assinava Reis, Campos, Soares, Mora ou Caeiro. Essa capacidade de ser vários, muitos, era para mim como que a única forma de ser eu. E tenho sido, o que nem sempre me tem tornado a vida fácil.
Mas... e não resisto a citar Pessoa/Campos:
"Sentir tudo de todas as maneiras
  Viver tudo de todos os lados,
  Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo
  Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
  Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo."
E já não sei o que ia a dizer. Perdi-me. Se calhar neste labirinto de mim, em que, como dizia José Régio, "mas eu que não principio nem acabo", vou sendo este procurar-me por dentro de mim, numa busca, de querer ser, nesta minha maneira de amar que começa e acaba no "Ah! puder ser tu sendo eu" do Alberto Caeiro, e ser o outro Alberto, o Magno, mestre de Tomaz, o da Suma Teológica, mas a escrever antes uma Suma Diabológica, que me parece que faz falta ser lida por muita gente. Talvez eu a escreva. É preciso ver, perceber, sentir sempre o outro lado. Serei entendido?
Vou voltar a ler "O Diabo" do Giovanni Papini e depois ver o que consigo escrever, porque na verdade, preciso de ser entendido e sei que não o sou, e que nem é fácil sê-lo, reconheço, nesta minha busca da Harmonia dos Contrários. Boa noite
  

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