quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Escrevi em 30/05/1980

Não sei porque te beijei naquela noite. O vento corria como um louco pelos quatro cantos da casa, e a chuva parecia que me caia nos olhos, nos ossos, nos nervos, em tudo o que me fazia sentir, sentir-te. Não sei, não sei porque te beijei naquela noite, em que os nossos olhos procuravam outros espaços, mais vazios, de nós, inquietos por estarem abraçados pelos montes ou pelos mares onde mais nada houvesse senão montes e mares.
Não sei, verdadeiramente não sei. Senti-me num deserto, à meia noite, a ouvir os gritos das pedras a racharem com o frio, e o soluço de algum beduíno abandonado pelo melhor amigo, e, envolto também eu na minha djelaba cor de sonho, sentei-me nas areias da praia já nas margens do deserto, e deixei-me embalar pela música das ondas a rebentar, atrás umas das outras, como os meus desencantos, e encantos que por ti nunca morriam, e que iam também rebentar nas praias do meu peito sem contornos nem fim, que eu abria, te abria, cada vez mais à noite e às estrelas, numa ambição imensa de partir para o espaço que eu fosse capaz de inventar, e ir à procura de paz e de silêncio, da paz e do silêncio que só dentro de nós existia.
Não sei porque te beijei, mas olhando para as linhas das minhas mãos abertas, descobri destinos que não entendi, e vi-me a mim mesmo, muito junto a ti, num beijo sem destino, mas que ia à procura de nós.
E então sim, soube porque te beijei, meu amor, meu amor, só porque te amo, desmesuradamente, e porque desse amor faço um destino, um sonho, um espaço onde só cabemos os dois, um silêncio todo nosso, e . . . um beijo.

(e hoje, depois de ter encontrado este texto, e sem saber porque to terei escrito naquele dia, continuo sem saber porque te amo, só porque o nosso beijo continua bem vivo, e sem tempo, a caminho do não sei.)

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