Porque tal como diz Pessoa, somos todos seres fluídos e em transformação. E o que nos mantem vivos é essa incessante capacidade que temos, de nunca hoje conseguirmos ser o que fomos ontem.
Lavar a cara duas vezes na mesma água do rio? Impossível, como disse o grego e com toda a razão, porque nunca somos o que já fomos, nem nunca seremos aquilo que sonhamos. Somos, e basta, convidados sempre a lermos a pluridade do universo, a partir da nossa singularidade tantas vezes genial. E o que é o génio senão uma longa paciência?
A verdade é que não passamos, de facto, de um episódio da imaginação que nos ensinaram ser a realidade. E a realidade, sobretudo para quem pensa, é um pluriverso onde os vários universos apenas são as nossas diferentes e quotidianas maneiras de ser e de estar.
O nosso dia a dia é feito de chavões, de slogans, de frases feitas. Vivemos embrulhados numa publicidade que nos distrai e nos leva por caminhos que nem percebemos que não são os que traçámos.
Também em relação a estas coisas Fernando Pessoa foi, e será sempre para mim um mistério, porque no meio de tanta genialidade que ainda hoje tantos estudiosos procuram entender e interpretar, criou slogans, como por exemplo, para as cintas Pompadur, com o vestem bem e nós ajudamos sempre a vestir bem; ou como nas tintas para automóveis, as Berryloid, em que se passava a camurça nos veículos mas só de óculos fumados porque o brilho deslumbra; ou ainda para a Coca-Cola, talvez inspirado na vida de D. Quixote e Sancho, do Miguel de Unamuño, e que dizia o célebre primeiro estranha-se depois entranha-se.
A música como metáfora permite a Mallarmé ignorar a referencialidade latente na linguagem verbal e na poesia dos surrealistas há aquilo que se poderia entender por uma outra gramática, a da imaginação. E a imaginação, é o ser capaz de encontrar sentido onde não há sentido nenhum.
Aliás a poética do romantismo, assenta numa estética da imaginação, e como diz Breton, é no romantismo que se encontram as raízes do surrealismo.
E andando um pouco para trás no tempo, olho para o par de botas que Van Gogh pintou e que foi objecto de uma tão sugestiva análise de Heidegger, quando procura abordar a natureza do conhecimento. E nesse conhecimento cruzam-se ou estão cerzidas, múltiplas linhas de sentido, ao que se pode chamar polissemia, a qual tem sido vista como uma das características da criação artística.
Essa referencialidade circula ou dispõe-se ao longo de construções imaginárias, plasmando-se numa dimensão que é a própria cultura. É aí que a imaginação se encontra com a história, ou melhor, com a memória. A Arte tende pois a ser um complexo equilíbrio entre a imaginação e a memória.
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