domingo, 18 de novembro de 2012

Biblioteca

Olho para a minha biblioteca cheia de livros desarrumados, e sinto-me a viajar por mil países, envolvido em mil aventuras e intrigas, por dentro de mil pessoas e de mil formas de ser e de estar. Olho para a minha biblioteca e vejo centenas de cérebros a pensar, e em mim próprio começam a escrever-se equações, a fazerem-se derivações, a construirem-se conjuntos. A juntarem-se letras e a surgirem palavras que vão formando frases ao longo de páginas e páginas, de volumes e volumes.
E ponho-me a escolher um a um, os livros por que me sinto subitamente atraído e incapaz de me separar deles. Amontou-os a esmo, sem lhes ler as lombadas para não ter por quem chorar e depois meto-os dentro de um saco, como se fosse um alforge onde metesse o sustento para mais uma  grande viagem das muitas que passo a vida a fazer, à roda dos meus mundos sempre por descobrir, sempre a procurar sem procurar como os três príncipes persas em Serendipo.
Pego numa  arma e encho os bolsos de munições. Costumo levar sempre, por precaução, - aprendi com a vida -, com que me defender dos amigos, e levo também um par de botas para poder trocar quando as que tenho se escancararem de cansaço.
Foi-me dado um caminho para percorrer, uma espécie de segmento de vida que um dia os deuses entenderam dar-me para viver. Um segmento de história que um dia os deuses me pediram para escrever. Um segmento de dor que desde sempre soube ter que sofrer.
Despeço-me da minha biblioteca como quem se despede da vida, como quem se despede de um amor que tem que aceitar ser impossível.
E tenho uma última conversa com eles, em que sem lhes dizer nada, lhes falo da falta que me vão fazer e do testamento trágico que ficará guardado num subescrito onde terei o cuidado de deixar a minha última carta. Em branco.
Tragígrafo de mim invento-me numa vida que me inventaram de propósito para que eu a pudesse inventar. Viver sempre também cansa!

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