domingo, 4 de março de 2012

Às vezes sou

Às vezes sou perverso quando olho. Dispo. Não que queira vêr o que possa estar escondido por trás da roupa, mas porque me parece que o erotismo está nesse imaginar, e viver mesmo a aventura de ser um intruso e poder ser apanhado e preso como um ladrão vulgar, embora muito pouco vulgar, porque o que este ladrão quer roubar é apenas vida, a vida que há em tudo.
No fundo o que me fascina é o por dentro, seja das pessoas seja mesmo dos corpos inanimados. Para mim tudo tem um outro lado, que não precisa de ser obscuro mas simplesmente escuro. Como a lua. E a matéria afinal não é só uma, mas três segundo os físicos: a inanimada, a viva e a quântica.
Por isso quando olho quero sempre vêr mais além, porque se o simples acto de olhar assentasse apenas em acontecimentos como a atracção e a repulsa, o antagonismo, estava perante um dilema: se os referidos acontecimentos mais não fizessem do que atrair-se, obedecendo à homogenização, acumular-se-iam num conglumerado sem qualidades, como diria Musil no seu célebre livro "O homem sem qualidades"; se se repelissem entre si, obedecendo apenas à heterogenização, então não haveria matéria.
Sendo assim, quando olho, não vejo apenas, mas crio, e esse acto de crição é que pode ser olhado pelas pessoas mais vulgares, quase todas, afinal, como um acto erótico, no sentido mais vulgar.

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