segunda-feira, 21 de novembro de 2011

E as pessoas

E as pessoas batiam às portas do meu sentir, como que a espantar espíritos, como quem rufa tambores e escuta o som a repercutir-se pelos vales da mágua, pelos lôdos dos pântanos, pelos olhares em desespero. E todo eu fui tempo, num relógio de sol já sem a haste a projectar a luz, ou uma clepsidra sem areia, que só à noite eu via reflectida pela luz da lua a entrar pela janela das minhas ansiedades.
E senti vontade de não viver mais, já que desde que tinha nascido, me tinha sentido a começar a morrer.
A verdade é que me ia a pouco e pouco cansando de viver a atravessar o tempo. E se vivi muitos dias, também morri todos os dias, numa alternância de noites e de dias, em que se nasce e se morre sempre a caminho do fim. De um fim.
E não me deixei ficar em mais sítio nenhum, disperso como ia ficando pelos sítios por onde passava, me arrastava, deixando cair, aqui e ali, bocados de mim. Foi quando dei comigo, a vêr que as cores dos olhos mudavam conforme os olhava, e acabava por não conseguir vêr mais cores nenhumas, porque os olhos desapareciam como luzes que se afastavam e iam ficando cegos.
E até o vento parecia vir ter comigo já cansado de se enrodilhar nas cores e nos sons dos tambores a rufarem num longe sem tempo nem distância.
Então levei a noite comigo, embrulhada num cobertor de mim, como se levasse comigo um filho recem nascido, ou a dor de o ter perdido. Esquecido. Por uma memória sem lembranças, sem referências, como um relógio de sol já sem a haste. Perdido num jardim barroco abandonado pela alma do tempo.

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