Mas não é bem a morte de que se está habituado a ouvir falar. É um eu agora que só tem justificação se houver um eu depois, e que toma a forma de um mundo dentro do mundo, e em que esse é o meu mundo a quere ser mundo, liberto da morte, do imundo.
Quantas vezes já morri sem ter percebido que morria. Quantas vezes a morte me negou a possibilidade de ter percebido isso. Quantas vezes me deixei morrer só por saber que não morria. Quantas vezes passei por ela e fingi que não a conhecia.
E ouvi Chopin até à exaustão, e nessa repetição quase mântrica fui-me ouvindo. Os meus ouvidos de tísico foram-me dando sempre um Chopin igual enquanto ia sendo diferente.
É por isso que ando sempre à procura de alguém, na esperança de nele me encontrar, de me sentar depois ao piano e tocar, para uma George Sand, baronesa de Dudevant, que gostou de Chopin mas também de muitos outros. E parei, as mãos quietas nas teclas de marfim. Também eu a tinha amado até à tuberculose, também ia tocando nocturnos dentro de mim, enquanto a morte me rondava e eu me ia rindo dela, acabando por arranjar uma grande confusão entre mim e ela, de que no fundo o resultado sou eu, numa crise que me faz partir, e escrever para me provar que a crise me ajuda a ser cada vez mais eu. Sou crísico, logo existo.
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