domingo, 10 de julho de 2011

mais uns textos que tinha na gaveta

E lavrei sentimentos como quem lavra uma terra já há muito esquecida e abandonada às ervas daninhas. Depois peguei numa charrua a cair de podre e comecei a sulcar a terra como quem escreve as páginas de um livro que é a vida, a minha vida.
E quanto mais sulcava essa terra adormecida, mais ia juntando as palavras umas às outras, a tentar encontrar-lhes um sentido.
E a terra assim arroteada, ia a pouco e pouco sendo um livro. Depois fixei bem o meu olhar também já cansado, e vi que a terra era eu.
Foi quando peguei no saco do semeador, e às mão cheias semeei aquela terra com pedaços do que restava de mim.


Um dia dei comigo a pegar na cesta de costura que tinha sido da minha avó e a começar a passajar uns rasgões que reparei que a vida, com o tempo, me tinha ido fazendo na alma.
Mas quanto mais cosia, mais rasgões havia. Foi quando percebi que a minha alma se estava a rasgar toda, a desfazer-se, puída pela inexorável passagem do tempo.
Fiquei sozinho, ou quase, ao ver que apenas tinha por companhia, a minha solidão. E senti um aperto tão grande no peito que cheguei a pensar que eras tu a dar-me o abraço por que espero já há tanto tempo.


Fui escolhendo as palavras como um pintor escolhe as tints. Também as misturei, na paleta da minha vida, e depois foi a ouvir as variações Goldberg, de Bach, que te olhei e vi que também me sorrias com os teus olhos.


Tudo me tem acontecido na vida. Até viver. Até dar comigo a pensar que eu não sou eu, mas o outro. E fico sem perceber se o que penso são gestos, se são olhares ou sorrisos.
São com certeza as mais variadas formas de me ser ou de te ser, perdido como tantas vezes me sinto, sem oriente, no meio de uma rosa dos ventos que só aponta para ti.
Mas a carta de marear sou eu e tu ao mesmo tempo. Coisas que me vão acontecendo.


Centauro de mim, sou sempre dois, e faço do meu barco o meu outro eu. E procuro um porto para acostar, atracar, e às vezes, eu sou assim, onde me deixe mesmo naufragar.
Nem sempre os cabos são fortes, nem os molhes resistentes. É quando me dá mais prazer partir à deriva, pelo azul dos teus olhos, eu e o meu barco, centauro de mim mesmo, por esse mar que também sou eu, quando te sinto e te quero, meu amor.


E a saudade foi uma mancha no tempo, como aquelas que às vezes se podem ver no Sol ou na Lua, ou como as que ficam na parede quando dela se tira um quadro que não está no lugar certo.
Depois fui à tua procura e foi com essas manchas que tatuei no peito o teu sorriso.
E senti-me feliz por ser, apenas e só, uma mancha no teu deserto.


Entrei no teu pensamento em silêncio, como deve ser sempre um beijo de amor ou um abraço terno. E foi só assim que depois pude ouvir bem o teu olhar agradecido.


Perco-me de mim e perco-me de nós. Mas sempre que nos encaminhamos um para o outro, acontece qualquer coisa que faz com que de uma maneira ou doutra, nos encontremos.









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