sexta-feira, 1 de julho de 2011

mais dias sem datas

Sou tantas vezes eu, quantas eu quero. E às vezes dou comigo já cansado de ser e de ter tantas vezes esse eu dentro de mim, a ser outros.
Uma espécie do "ser tudo de todas as maneiras", à F. Pessoa. E converso, tenho mesmo longas conversas comigo, àcerca dessas várias maneiras de me ser. Mas é sempre uma conversa inacabada, que me deixa sempre um travo amargo na boca - ou no pensamento? - por achar que fica sempre qualquer coisa por dizer. Às vezes por pudor. Não é que eu tenha vergonha de mim, ou de como sou, e do que digo, mas por vezes fico mal à vontade com algumas formas de me ser. E não são poucas as vezes em que fico pasmado com alguns desses meus eus que até se convencem de que me conhecem. É nessas alturas que me sinto profundamente ignorante. E não sei bem se por mim ou se por eles.

Entro num combóio. Num cacilheiro. Num metropolitano. No trânsito à hora de ponta.
Tanta gente, tanta coisa, tanto barulho! E que vazio, meu Deus.

Sou amigo sem saber nunca porque o sou. Sou amigo, acreditando que a amizade é qualquer coisa que nunca poderei atingir. É um estar entre várias coisas, quase inconciliáveis, ou então que apanas os deuses poderão, talvez, algum dia conciliar.
Mas nunca tenho com quem me reunir em concílio, para depois publicar uma carta, uma encíclita ou uma bula sobre a amizade.
Li Ouvidio mas ele nunca me essinou a amar. Apenas me fez pensar no amor.
Devia ter lido Maquiavel, se eu pudesse ser um prícipe.

Dedilhei as estantes da minha biblioteca, como quem dedilha as teclas de um piano. E dou comigo a procurar Dante para lêr "La Vita Nuova".
Mas se calhar apenas ando a ver se encontro a minha Beatriz.
Depois peguei num livro de Miguel Angel Astúrias, "Arquitectura da Vida Nova", e fiquei a pensar na relação que poderia haver entre tudo isto, e até que ponto também eu tinha que arquitectar uma vida nova.

Tenho para mim que a vida é frágil, muito frágil. Por muito pouco pode partir-se. Só a morte é forte e poderosa e por alguma razão sai sempre vencedora. Por isso tenho sempre uma grande preocupação de pôr no caixote da minha vida, e bem à vista de toda a gente, uma etiqueta a dizer : "Frágil".

Parece que o Emílio Salgari, o escritor que mais li na minha adolescência e mais me fez sonhar, mesmo quando já tinha passado a idade dos sonhos, sem nunca ter saído da pequena cidade onde viveu toda a vida, escreveu e descreveu até à minúcia, as mais variadas aventuras, passadas nos mais variados pontos do globo, com gentes estranhas e hábitos dos mais esquesitos.
E eu ia viajando com ele, por todos esses lugares, fiz parte de expedições audaciosas e entrei em batahas, tanto em terra como nos mares, enquanto eu ia viajando por dentro de mim, e me ia
encontrando aqui ou acolá, espalhado pelo mundo e pelas pessoas, como sempre estive e afinal continuo a estar.

Quando oiço falar de liberdades e garantias, desconfio sempre de quem as diz, e lembro-me daquela história que se conta, penso que passada com António Enes, não sei bem, mas que dizia que quando ouvia a populaça na rua a gritar "Viva a Liberdade", não resistia a levantar-se e em ir até à janela para vêr quem é que ia preso.

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