sexta-feira, 30 de julho de 2010

Há lodo no meu cais

Hoje apetece-me escrever sobre um tempo que sinto estar suspenso dentro de mim, numa incansável e interminável espera do amanhã. E fico, não raras vezes angustiado, com uma sensação de desperdício, de ser um sub-aproveitado, não pelos outros, que me são rigorosamente indiferentes, mas por mim mesmo, ou por este mim que os outros na sua pequenez não entendem, mas que eu também ao mesmo tempo, não faço o mínimo esforço para que me entendam. Não, não pensem que sou um misantropo, longe disso! Há pessoas que simplesmente adoro e que sinto que por mim nutrem o mesmo sentimento.
Também em tempos li Shopenhauer mas não me convenceu. Até prefiro Kierkgaard porque sempre escreveu "O Conceito de Angústia" o que, como escrevi em cima, muitas vezes me assalta, e o "Desespero Humano" que tantas vezes também tem a ver comigo, sobretudo quando olho à minha volta e vejo tanta gente medíocre e pequena, mas sempre a pôr-se em bicos dos pés. Por elas é que com certeza não se suspende o tempo dentro de mim. Nem o tempo nem nada. Porque com elas também nunca acontece nada.
Depois olho para o que tem sido a minha rede de afectos, de cumplicidades, de influências, as encruzilhadas onde também me perdi tantas vezes em busca de sentidos ou do sentido. E ajudado pelo tempo, fui esculpindo as tuas formas e fiz delas veículos para o sentido que procurava encontrar até no não sentido. E dei passos, percorri caminhos, fui faseando intenções sem as quais nunca haveria processo. E vi cada vez mais que não havia um antes e um depois, mas sempre um aqui e um agora, esse hic et nunc latino a que reduzia as horas e os dias e até o que ia pensando de ti enquanto nos beijávamos. E te ia sentindo. E isso sempre me levou a constantes aventuras, que me obrigaram a passar rubicões e a cortar nós górdios, enquanto me encaminhava para ti. E tudo foi ganhando formas, que se transformaram em ideias que depois voltaram a ser formas para por fim chegar a ti, Pessoa. Oh! como te amo mesmo assim! E como o meu tempo suspenso se solta, por fim, para te abraçar sem fronteiras a não ser a da compreenssão e da aceitação de que como Mahler ou Bernstein também eu nunca em vida serei reconhecido como compositor. E fui-me pôr a ver, pela enésima vez um filme da minha infância, "Há Lodo no Cais". E mais uma vez não fui eu a ganhar o Oscar de Melhor Actor. Continuou a ser Marlon Brando.

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