segunda-feira, 19 de abril de 2010

Hoje

Ainda a noite, maiêutica de mim, deixava o dia rasgar-lhe a carne, para do útero fecundado pela minha insónia, nascer o dia, já eu me punha também à espera de Godot. Triste ideia esta que me fazia sentir que não conseguia perceber se estava à espera de Deus, se da minha própria condição. A humana. Mas não, "eu sou eu e a minha circunstância" como dizia o Ortega y Gasset. Mais nada. E por isso esperei em vão, nesse deserto de mim, se calhar à tua espera, sem saber sequer quem és, afinal. Se Deus, ou se simplesmente "o outro". Mas esperei, embora não soubesse quem era esse Godot. E senti-me mais só que a solidão e chorei lágrimas que me correram por mim adentro, para não terem por onde poder sair. Foi quando me refugiei num canto de mim e que de propósito mantenho escondido e como que abandonado, sem préstimo nem serventia e que só eu conheço. Mais ninguém. E já não estava tão só: tinha o meu canto. E o meu canto era e não era eu.
Foi de lá que então parti à procura de Hamlet para saber se a questão estava de facto em eu ser ou não ser eu. Mas ele já se tinha suicidado, e já fedia, como o reino da Dinamarca e como o meu. E fui Ofélia enrrudilhada nos meus próprios pensamentos. E à medida que o Sol se levantava e se começavam a ouvir os vagidos do dia a nascer, eu voltei a descer aos meus infernos interiores e adormeci a pensar em ti, meu amor.

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