sábado, 7 de novembro de 2009

O meu direito à preguiça

O dia está de Outono, não chove, mas apetece estar em casa a ler um bom livro e a ouvir música, sobretudo barroca, como por exemplo Georg Philippe Teleman, no seu estilo entre Bach e Haydn.
Quero ficar em casa, porque hoje sinto-me especialmente virado para ser eu próprio e mais ninguém, a escolher o meu mundo e que esse mundo se confine ao espaço da minha biblioteca, que embora tenha alguns milhares de livros é apenas o meu "pequeno mundo".
Não quero fazer nada a que me sinta obrigado, a ter compromissos, horas marcadas, tudo, enfim, que me tire tempo ao tempo, ao meu tempo. Ficar a ouvir música. O meu Filho Manel pôs-me no computador horas e horas de boa música. E mesmo sem ser genro de Karl Marx, sinto-me com o direito à preguiça. Só não sei se foi por isso que ele escreveu isso na prisão de Sainte-Pélagie. Nem se foi por preguiça que ele e Laura, fizeram um pacto e se suicidaram os dois. E se calhar nem é preguiça, o que eu tenho, é uma necessidade de estar comigo, o que é bem diferente. Eu e a minha solidão sentimos-nos bem um com o outro. Estou cansado do mundo. Do lá de fora, quase sempre sem interesse, quase sempre cheio apenas de imensos vazios, que é o que menos me atrai e satisfaz. Não do meu mundo interior, que cada vez tem mais mundos. Fico aqui, agora a ouvir um nocturno de Chopin, esse polaco que sempre me fascinou e me ajuda - parece um paradoxo - a simplificar os meus dias, a minha vida, e me faz sentir mais leve, como antigamente se aliviava o peso das caravelas para se poder continuar a navegar.
É, apetece-me deitar tudo fora. Desfazer-me de tudo a que me tenho agarrado e ficar só com o amor que me dão e eu dou, como quem respira. E lembro-me de Gandhi, de Lanza del Vasto (que tive o prazer de conhecer pessoalmente) do nosso excêntrico filósofo Agostinho da Silva. E apetece-me ler e ir rasgando página a página e deitar para o lixo à medida que for lendo. Ficar sem as palavras que li mas apenas e só com o que senti ao lê-las. Voltar a ser o rapaz que já fui, e poder dizer como Miguel Torga ", ser neutro como um rapaz, que come e bebe a cada hora sem saber o que faz" e depois" deitar-se no banco mais comprido que vagasse e pudesse dormir". Sim dormir, é tão importante esquecer-me de tudo e aprender a só reter o que é importante, para depois me lembrar das coisas que de facto me fazem falta e me fazem sentido.
Deitado no sofá da minha biblioteca, poder reinterpretar-me como pessoa, reinventar-me como homem. E ter tempo, o meu tempo, sem que nada nem ninguém o venha perturbar. Reinterpretar o tempo e inventar o tempo que me resta, para que me reste mais tempo. A verdade é que os calendários mudaram várias vezes ao longo dos tempos. Sei lá se este está certo, definitivamente certo. Costuma dizer-se que o mundo dá tantas voltas! Porque é que eu não hei-de adoptar um, que em vez de ter os actuais dias, tenha mais uns dias e os dias tenham mais umas horas, e até as horas tenham mais uns minutos. Quero lá saber das rotações, das translações! Agora só quero saber de mim, nesta preguiça egóica de me deixar a sentir. Sim, penso que tenho todo o direito a esse egoísmo. E mais, chego mesmo a pensar que quanto mais souber estar comigo, melhor saberei estar com aqueles que verdadeiramente amo e sei que me amam. A minha Mulher, os meus Filhos e Netos e alguns Amigos, poucos, bem sei, mas exactamente por serem poucos os amo tanto. Já dizia Albert Camus: " porque será preciso amar raramente para amar muito?". É por isso que quero deitar fora tudo, que só me estorva, para ficar só com aquilo que tenho a certeza (?) que posso enriquecer e me pode enriquecer a mim também. E enriquecer o quê? No fundo este meu olhar sobre as coisas e as Pessoas, este olhar que às vezes se enche de lágrimas, num misto de tristeza e de saudade por tudo o que perdi, e de esperança no muito que ainda tenho para dar, viver e amar, porque então, se não amar e não me sentir amado, já não me deito no sofá da minha biblioteca, deito-me fora a mim mesmo , como coisa sem qualquer valor nem préstimo, como um lixo apenas.

Sem comentários: