segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Durante

O durante levou e leva sempre imenso tempo a passar. E o silêncio fazia eco nos meus ouvidos e a pouco e pouco transformava-se numa orquestra a atacar num fortíssimo. Foi, depois, ao luar, que a sombra recortada do meu desejo me ajudou a compor com Beethoven esta sonata. Fechei a porta para a noite não entrar porque não queria estar senão sozinho, comigo, e com a sombra do meu desejo. E a minha solidão começou a dar dentadas de ternura no luar, e tudo ia passando por mim menos o tempo, porque o segurei com as duas mãos para que não fugisse e me levasse a ele agarrado, tirando-me assim o prazer da noite que não via, mas sentia, e o prazer de ver o dia a nascer quando eu quisesse e não quando ele achasse que era tempo. E o durante foi sendo feito apenas do meu tempo.
E aprendi a inutilidade das palavras, e perdi a inocência porque sonhei que conseguia, por fim, fugir da realidade que me sufocava ao ponto de já não me deixar respirar.  Foi nessa altura que me sentei à direita das minhas ideias feitas e senti que o amor era vivido por mim sempre ao som das batidas, às vezes descompassadas, do meu coração alvoroçado, quase como num batuque africano onde pela primeira vez ouvi uma  sonata ao luar. E dei cor às coisas e aos sons, e fiz-me estrela cadente, para poder ter por quem me orientar.

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