Depois quando punha na parede o quadro que tinha pintado, ficava a olhar espantado, porque só lá via a mancha que o quadro lá teria deixado, quando dela se tira ao fim de muitos anos para ser restaurado.
E tentava pintar o que isso me fazia sentir. Pintar a mancha e o espanto, pintar o sonho que era isso tudo. Pintar a dor de não conseguir pintar. Mas nem isso consegui. E deixei, aos poucos, de pintar, porque dentro de mim as côres eram muitas e só uma, como a côr da parede onde tentava sempre pregar o quadro. Branca, toda branca, da côr do sonho. Ou da cor dos tubos a secar. Da tela por pintar. Do sonho por sonhar.
Depois, como que a querer imitar o Santa-Rita Pintor, fingi que estava em Paris, que o Sena corria por dentro de mim, e atirei também tudo ao rio, a um rio que era feito de pessoas, de pessoas que passaram e correram pela minha vida e nunca cheguei a saber quem eram.
Depois não me suicidei como ele, mas escrevi um manifesto anti-côr-forma que assinei com uma pintura donde escorria um sonho em forma de lágrima, em forma de canto. Depois deitei-me e tapei-me com ele como se ele fosse o meu sudário. Como se me deitasse com uma Verónica qualquer que também tivesse passado pela minha vida inquieta.
E deixei-me secar, como os tubos das tintas que um dia acabei por abandonar.
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