sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

MÚSICA

Ponho-me a ouvir música. E oiço Mozart, Chopin, Sibelius ou Jeno Hubay. Não importa, porque o que importa é o que me fica nos sentidos, qualquer coisa como a mancha que fica na parede de onde se tirou um quadro. Já lá não está o quadro, mas está a ideia do quadro e de o ter lá visto. Está o lugar em que fixei a minha atenção e onde libertei sentimentos, emoções, como se fosse um pedaço de alguém que ali tivesse sido pintado, e lá tivesse deixado, a forma, a côr, aquele movimento que parece ganhar relevo, numa tonalidade qualquer, mas surda, numa interpretação do meu olhar que apenas via o que pensava que via.
E Mozart soube-me a tantas coisas, e a morangos silvestres, e a Ingmar Bergman, e Chopin lembrou-me a George Sand, e a sua eterna tristeza pela Polónia perdida e querida, e Sibelius fez-me dançar a "Valsa Triste", que um dia um amigo me deu dizendo que ela ficava como hino da nossa amizade e a Hubay vi-o nitidamente no seu palácio em Pest, do outro lado de Buda, a compôr para a mulher a "Sonata Romântica", que ela quiz ouvir à hora da morte enquanto Budapest era invadida.
E ficou-me a recordação de tudo. De tudo isto misturado, numa música só, em que tu, meu amor, tocavas todos os instrumentos ao mesmo tempo enquanto regias a orquestra de ti, e eu me perdia a cavalgar ondas de um mar longínquo.
Não tive mais gestos nem olhares para me aproximar de ti. O teu corpo não é tangível!
Aproximemo-nos sim, mas pelo espírito.
Na parede "O Grito", de Munch.
E também eu senti o grito infinito da natureza. Também me senti.

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