quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Baralhada de recordações

Quando leio sobre as guerras no século XX, lembro-me sempre de um amigo de quem gostei muito, sobretudo porque o achava envolvido em alguma coisa de tragicamente misterioso, filho de pai alemão e mãe portuguesa.
Chamava-se Jean François Antoine Figueiredo Stofner. O pai era da Legião Estrangeira e tinha sido um dos heróis que lutara até à morte em Diên-Biên-Phú, na Indochina em 1954. A mãe, quando nos tornámos amigos, era naquela altura tenente do exército francês na Guerra da Argélia. Tudo aquilo era para mim qualquer coisa de fantástico. Eu andava no Liceu de Oeiras e ele no Liceu Francês, fundado pelo avô de um outro amigo meu. Em França tinha estado num colégio interno onde estava também um dos filhos do rei de Marrocos. E da Argélia ficaram-me as conversas que tínhamos sobre Albert Camus, esse Nobel "pied noir", e sobre um general que o fascinava e que passou a fascinar-me a mim também, Philippe François Marie, conde de Hautcloque, mais tarde Leclerc de Hautcloque, que tinha, com as suas tropas, lutado ao lado do marechal Montgomery, e marechal de França também ele mais tarde, contra a "raposa do deserto", Rommel, outro Marechal, mas alemão.
Leclerc de Hautcloque morreu na Argélia, já depois de ter acabado a II Guerra Mundial.
Muito mais tarde, aqui há uns anos, fui convidado para jantar em casa de um amigo meu.
- Conheces algum Imortal? perguntou-me ele.
- Não, respondi, a não ser do cinema.
E conheci, de facto, um Imortal. Um francês, membro da Academia e médico da família real Marroquina.
Conversámos sobre imensas coisas. Contei-lhe que tinha pensado em alistar-me na Legião Estrangeira, por causa do pai do Alain, do general Leclerc e de Charles de Foucauld.
E passei dias e dias a lembrar-me daquela amizade na minha adolescência, daquele fascínio por aquele amigo, por tantas coisas e tanta gente. A lembrar-me de quantas batalhas travei, naquele tempo, de quantos sonhos tive, de quantas maneiras guardei estes nomes no meu Livro de Aventuras.
Há uns seis meses também conheci num almoço em casa de uma amiga, o único português, discípulo de Foucault.

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