sábado, 29 de janeiro de 2011

Cheguei-me à janela do meu quarto e vi coelhos a passearem as suas ilusões pelo meu jardim. E senti-me a ir com eles, também em passeio pelas minhas ilusões a caminho da Serra, lá mais ao fundo. E a folhagem da Serra, era uma manta de retalhos todos a verde, nos mais variados verdes, alaranjados, amarelados, acastanhados, encarniçados.
E todas estas cores em verde iam sendo o camaleão de mim mesmo, e a que me fui moldando, feito árvore também, feito serra, feito azul do céu, desse céu que são os teus olhos azuis, que as tuas mãos me exigem e apontam nos retalhos de muitas cores de que me vou fazendo, não na busca da harmonia das esferas, mas na da harmonia dos contrários.
Pode haver música sem tempo, mas custa-me passar o tempo sem música, porque tudo para mim é cada vez mais música, num longo e perpétuo acorde, que me acorda a cada momento para a realidade de mim, e me faz sentir a ouvir inquieto e amedrontado, um encantador de serpentes a tocar numa flauta para que a sua cobra capelo, fosse levantando a tampa do cesto e fosse mostrando o seu pescoço dilatado. Foi em Gôa e tinha eu seis anos.
Agora estou a envelhecer, a lembrar-me de coisas, a recordar outras, a pensar que "Este país não é para velhos" que os irmãos Coen realizaram e me lembram os meus primos Cohen com h. Os Cohen das doze tribos de Israel. Oh! diáspora que também sou eu, cada vez mais perdido no mundo e pelos mundos à procura já nem eu sei bem de quê. De mim, talvez! De ti, com certeza! Mas tu não me compreendes, ninguém me compreende, nem eu já sei o que é compreender.
E já não oiço bem os acordes da música que sempre tocou em mim. Só ruídos normais, das coisas do dia-a-dia e com que continuo os meus diálogos com a vida. E apetece-me ser outro, e ser capaz de ir sozinho para a Letónia e viver como Thomas Man e deixar como ele pegadas nas dunas do Báltico, e depois escrever a "Morte em Veneza" e ser o próprio Tadziu e vêr nele a beleza e a morte, ou ir para Capri, e para a abadia do Monte San Michel, e por lá ir ficando com Axel Munthe, esse professor da ternura, mestre da generosidade, e andar com ele nas ruínas do palácio de Tibério, o que nele se recolheu depois da morte do filho e a quem Plinio o Velho chamou "tritissimus hominum", o mais triste dos homens, como tantas vezes me sinto também eu, por nã conseguir mudar este mundo em que vivo e que acho sempre pequeno para os meus sonhos. Mas tenho eu que ser a mudança que quero ver no mundo, como disse Gandhi.
Entretanto tinha-me afastado da janela do meu quarto, e quando lá voltei já não vi os coelhos e o Sol já se escondia por detrás da Serra e senti que tinha apenas por companhia o frio de mais uma vêz ver a desaparecerem as minhas ilusões.
Dentro de mim comecei então a ouvir o prelúdio para piano, "La Cathedrale Engloutie" que Claude Debussy escreveu no Monte de San Michel e percebi que "o tarde demais não é um acidente que se dá no tempo, é uma dimensão do próprio tempo".

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