domingo, 31 de julho de 2016

Pablo Neruda.

Evitem a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que o simples acto de respirar . . . estejam vivos, então !

Quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem destrói o seu amos próprio, quem não se deixa ajudar, MORRE LENTAMENTE.

Quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajecto, quem não muda as marcas no supermercado, não arrisca vestir uma cor nova, não conversa com quem não conhece, MORRE LENTAMENTE.

Quem evita uma paixão, quem prefere o "preto no branco" e os "pontos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilhos nos olhas, sorrisos e soluços, o coração aos tropeços, sentimentos, MORRE LENTAMENTE.

Quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos, MORRE LENTAMENTE.

Quem passa os dias q queixar-se da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projecto antes de o começar, não perguntando sobre o assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe, MORRE LENTAMENTE.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

E continuando

E continuando, fiz uma concessão à paráfrase e à traduzibilidade começando pela enésima vez a ler o Assim Falou Zaratustra enquanto pensava como Nietzsche que há homens que já nascem póstumos. Não posso dizer que conheça a fenomenologia de Zoroastro ou Zaratustra, como também é conhecido, nem como tudo assentava para ele no dualismo bem/mal, no mazdeísmo, Ahura Mazda, ou simplesmente Ormuzd, o bem e Angra Mainuyu ou Arimã, o mal. Há dentro de mim um fogo significante que me leva por ares e ventos até aos braços de Zamólxis, de quando Ovídio foi ostracizado para o país dos Getas, onde é hoje Constança no Mar Negro e lá morreu como conta Vintila Horia no seu Deus Nasceu no Exílio
E ando por aqui nesta luta que travo dentro de mim entre o homo sapiens e o homo demens. É isso, os meus Demónios confrontam-se muitas vezes com os meus Anjos da Guarda. Depois de S. Tomás de Aquino ter escrito a Suma Teológica, devia ter sido escrita uma Suma Diabológica, por um outro qualquer que não tinha que necessariamente também ter  nascido em Aquino.
Desde sempre que dei conta desse dualismo dentro de mim, o sapiens e o demens. Assim toda a minha vida foi feita de paradoxos, de permanentes cortes epistemológicos entre mim e mim mesmo. Um pensamento não se constrói de um dia para o outro. Leva anos e por muitos anos que ele leve a construir, acaba-se sempre por morrer com ele por construir. É a parte demens a interferir na parte sapiens e é também o permanentemente presente mito de Sísifo.
Fu, e tenho sido sempre Sísifo em acção ou em potência

Sou o esquecimento

Sou o esquecimento que um dia sei que vou ser. Só me lembro do que me esqueço, a não ser quando olho para as cicatrizes do amor ou dos muitos amores que já vivi, e me marcaram, a ferro em brasa, e me marcaram bem mais que alguns momentos de ódio que também já me assaltaram e me fizeram pensar que eu nunca tinha espaço para erros ou imprevistos. Tudo me pode acontecer, até esquecer-me que me esqueci porque há em mim uma certa moral anarquista.
O zero é mais ou menos qualquer coisa, porque ser zero já é ser qualquer coisa. E lembro-me daquele cachimbo pintado por  Magritte, em que ele diz "isto não é um cachimbo". Mas é, ou é o seu contrário ? Às vezes os relâmpagos, que sendo momentaneamente a ausência de escuridão, como que escrevem mensagens num alfabeto muito próprio, mas que me fazem perguntar, por exemplo , o que é a escuridão? o que é o preto? e me lembro de Wittgenstein quando escreve as Anotações Sobre as Cores ou por exemplo o Livro Azul ou o Livro Castanho. E é quando o relâmpago me faz sentido ao atear fogo à contraditoriedade. E esqueço-me, porque a noite cai nos meus pensamentos e eu deixo de os ver porque sou o esquecimento disso tudo, que sinto, e por isso, só por isso, existo.
E porque sou esquecimento digo-me coisas por paráfrases, porque me escondo atrás de uma interpretação desse texto que é o relâmpago em si mesmo, mas com palavras minhas, ou de uma metáfrase que é um termo que no seu todo não pode ser sintaticamente reestruturado de uma classe gramatical para outra. E eu também não sou mais que um termo, uma palavra de que me esqueço quando sou o esquecimento de mim mesmo.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Aflige-me

Aflige-me a ideia de um dia perder a memória, de me esquecer de ti, ou, pelo menos, dos bons tempos que passámos juntos, em que não só os nossos corpos se juntavam mas as nossa almas e os nossos sentires também. Penso que tudo é preferível à "deslembrança", porque me sentiria sem passado, e se me sentisse sem passado, sentir-me-ia sem presente, num não ser que me havia de enlouquecer.
Passeei-me pelas ruas em busca de outras arquitecturas, umas mais antigas, outras mais modernas. Em Art Deco, como me contava o meu avô quando tinha estado em Paris na exposição das Artes Decorativas. E pensei nos arquitectos já do meu tempo, Max Abramovitz, Óscar Niemeyer, Le Corbusier e no que terão pensado os nossos Norte Júnior, Bernardo Cassiano Branco ou o Ventura Terra. E Rainer Maria Rilke a dizer que a natureza da sua origem é que julga uma obra de arte. A natureza da natureza. E comecei a recuar um pouco no tempo.
E parei em Francesco de Borromini e em Gian Lorenzo Bernini. Como adoro Bernini!
E fico outra vez aflito porque me sinto escravo deste não saber quem eleger. Como dizia Séneca nenhum vento sopra de feição quando não se sabe para onde ir. E o meu fim aproxima-se porque já não sei dizer coisas importantes. E os dias tornam-se iguais, sinal aflitivo de que deixei de perceber as coisas. Choro por um corpo saudável, por um coração feliz, por uma alma em êxtase, por uma mão na minha a caminho da nossa Noite Transfigurada. Ao longe a música de Schoenberg.
Mas aqui ao lado o coração que eu amo e com quem vivo o dia a dia há tantos anos, de olhos dados, de olhares dados que são tudo de que mais precisamos para nos amarmos sem limite.

E sempre

E sempre que me sento ao piano do meu sentir, afloram-se-me ao peito paixões que tenho bem guardadas no fundo de mim, no fundo da minha alma, que nem sei onde ela está. E os meus dedos, são crianças inseguras, que se vão agarrando a tudo e a mim, para não caírem e não deixarem de partir sempre à descoberta de qualquer coisa.
E nasci. Como qualquer arroio ou regato ou rio que também nasce sempre em qualquer lado, eu nasci de uma lágrima que não fui capaz de conter e que começou a escorrer-me pela cara abaixo, como se fosse de facto a caminho de um mar que ma recebesse, aceitasse e agradecesse mais aquele pouco de água que, apesar de tão insignificante, também o alimentava. E senti que nunca mais era pequeno, porque passava a fazer parte daquela grandeza que me tinha aberto os braços e recebido.
"O próprio Deus culmina no momento presente, e não se tornará mais divino no decorrer das idades", dizia Teilhard de Chardin. Zeus não me condenou a mim, mas a Atlas, para suster o mundo com os ombros.

Difícil

Difícil foi dirigir uma orquestra, daquela vez que procurei encontrar uma saudável convivência entre Haendel, Mozart, Dvorak, Theodore Adorno, Wittgenstein e Iannis Xenákis, Picasso e Rembrandt e musica de jazz começada, segunda algumas opiniões , por Beethoven, e percursora do jazz actual.
Fiquei tão exausto e nervoso, que a única maneira que encontrei de dormir descansado foi não conseguir dormir.
E passeei-me pelos sítios como se fossem dias, e por dias como se fossem apenas sítios. Vivi o mais perfeito não lugar, pois só dentro de mim o mundo girava, e havia sol e lua, e música, e cores num arco iris todo a branco e preto, como o meu luto de ti.
Havia uma tristeza que me envelhecia a cara e as mãos, uma tristeza que gingava como naquela peça de Beethoven. Havia uma tristeza que me entrava pelos poros, me espezinhava os sentidos, e vivia numa periferia da minha própria maneira de ser triste.
O mundo atormentava-me e eu então fazia alianças comigo mesmo, contra esse mundo que não se cansava de me torturar. Mas no fundo sentia-me unido a mim, naquela intimidade e cumplicidade que só comigo conseguia ter, enquanto lia o Tractatus Logico Philosophicus e ouvia Xenákis e Haendel pensando como ele se teria sentido ao cegar.

terça-feira, 5 de julho de 2016

E no meu cérebro

E no meu cérebro esboçam-se arquitecturas racionais, ficções terrestres numa metafisica que construo com templos que invento dentro de mim para que neles eu possa pôr os deuses que me apetecer e que ficam a pulular num sem lugar qualquer, bem à minha volta.
E falei com REM (Rem Lucas Koolhaas) o arquitecto com quem pude falar sobre o clacissismo pós-moderno, com a presença do passado, de um passado sempre presente.
Foi ele que me explicou que no plano das estruturas acha que não há fronteiras, sendo mais importante a estética final do que os meios que a interligam. Não vê limite entre estética, áreas e eras, entendendo que um bom projecto de vida cruza fronteiras próximas entre o urbanismo, a pintura e até a literatura. E onde a dança e o teatro são as artes do corpo. E senti-me na "Cidade em Pânico", que ele escreveu, a ler outro livro dele "A última Dimensão": foi quando me perdi e por entre umas ruelas encontrei no chão "O Ocidente da Arte". E perguntei a Herzog e a Meuron, que matérias podia usar para a construção dos meus castelos interiores. E depois foi Virilo que me integrou no seu conceito de urbanismo, que adaptei com amor ao meu urbanismo interior. E abracei-me às paredes dos templos que costumo guardar bem cá dentro de mim, e deitei-me sobre o mundo, e senti-me um humano desumano, perante a impossibilidade da globalização sem virtualismo. E encontrei-me nessa especificidade de contextos e desmaterializações, para poder contar a história daquelas pedras, que juntas fizeram a casa e a própria luz que a invade me preenche, mal acordo de uma noite insone, fazendo vir ao de cima as memórias e os sonhos, os desejos e os traumas de quando foram brutalmente arrancadas à terra com escopros e martelos
E essas pedras obcecaram-me, porque lhes quis sempre encontrar a alma que não têm, mas de que eu preciso para sagrar os templos que construo e em que acredito poder pôr, em sossego, os deuses que vou inventando.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Porque só nascemos quando somos nós a ter as dores do parto, dizia a Natália Correia. Porque quem ama nunca sabe o que ama, nem sabe porque ama nem o que é amar. Esta penso que é do Alberto Caeiro, mas não tenho a certeza. Não que não tenha sido ele o autor da frase, mas da frase.
E pus-me a ouvir um dos concertos para alaúde e mandolim, de Vivaldi.
Depois fui-me deitar a pensar que tinha estado a ouvir As Quatro Estações e senti-me confuso, não por ouvir Vivaldi, mas porque num dia quente de Verão tremi de frio achei que lá fora estava a nevar.
E como disse Camilo Castelo Branco, "eu sou um livro que me tomou por um homem, enganou-se!"
Como eu me tenho enganado tantas vezes, pensando também que os livros são pessoas e as pessoas são livros.
E dei sempre ênfase ao que dizia aos outros, como se estivesse sempre a escandir, para que os outros me olhassem gratos. Mas nem assim consegui. Ainda hoje ando à procura deles.

E fui coleccionador

E fui colecionador de coisas raras, como o caroço de uma jaca que me ia caindo na cabeça em Goa, ou um pedaço de bétel que Afonso de Albuquerque um dia quis experimentar; uma escova de fato do Imperador Francisco José ou um alfinete do Marquês de Pombal e os restos da ordem que mandava um juiz abafar a Revolta dos Taberneiros, tendo sido, pela primeira vez em Portugal, enforcada uma mulher. 
Uma cópia do Código de Hamurabi e outra do Breviário de Alarico, restos de um arado sumério e os arreios do cavalo de Saladino; um anel do cabelo de Gengis Khan e uma bala do revólver de Mustafá Kemal, o Ataturk; as meias que Alvares Cabral levava quando pisou terras do Brasil e a conta de um jantar no Tavares Rico, no século XIX. Um pedaço da cortina do teatro à La Scala quando lá foi representada pela primeira vez a Madame Buterfly; o chapéu que Wagner usava quando morreu em Veneza, e até um bocado da gôndola que o levou para o cemitério.
Um soneto escrito pela mão de Bocage num bocado de papel de uma tasca qualquer e a espingarda usada pelo assassino de Dom Carlos; um crucifixo com que o Padre António Vieira dava a bênção aos índios que tentava tirar da escravatura, no Brasil e a espada com que Paulo da Gama partiu com mais quatrocentos homens para ajudar o Prestes João acossado por milhares de muçulmanos, e o pente com que se penteou a Rainha Antonieta antes de ser guilhotinada.
Enfim, colecionei isto e muito mais ao longo da minha vida como que a querer guardar em casa toda a historia do mundo. Até debaixo das camas e dos sofás eu guardei coisas. Porque te via em todo o lado, meu amor. E em todo o lado te encontrava.
Um dia quiseste tudo em troca desses teus olhos azuis. E eu dei-te tudo, porque tudo eras tu, estava em ti, porque o azul dos teus olhos era tudo, eram toda uma história de amor que guardo só para mim,  afinal, o que havia de mais raro e eu queria ter de qualquer maneira. E tu, meu amor, passados estes anos todos, continuas a ter tudo limpo e arrumado enquanto eu com o coração de joelhos te beijo a vida.

E desci das nuvens

E desci das nuvens, onde andava a passear, nefelibata que sempre fui, por uma corda com baraço, a caminho do mundo onde queria montar o espectáculo da minha morte trágica, ao gosto das grandes tragédias gregas, ou como um Romeu, que sente perdida, definitivamente, a sua Julieta.
Tanto havia luar nos meus dias, como sol nas minhas noites. A linha ténue que separava a luz da escuridão, fez-me lembrar Erika, filha de Thomas Mann, que se casou - casamento branco - com o poeta inglês W.H. Auden, só para conseguir a nacionalidade inglesa. Não sei porque me lembrei desta filha do grande Thomas Mann, a não ser que me tenha lembrado dele para atingir a "superior serenidade" que defendia. Ou talvez porque tenha transferido a minha morte para Veneza.

Tento lutar

Travo uma batalha intectual pela verdadeira democracia -  que não tem nada a ver com estas oligarquias disfarçadas, ou com estas partidocracias que mentem descaradamente - , pela paz, nas guerras do quotidiano, da cultura contra o imperialismo da civilização em que queiramos ou não vivemos, contra a razão sem razão mas massificadora e homogeneizante desta sociedade, contra este farisaísmo hipócrita que se instalou por todo o lado, contra toda esta falta de valores e de princípios que tanta falta fazem.
A antinomia kultur/zivilisation, usando os termos germânicos sem equivalência na nossa língua, fazem com que se percam tradições próprias de um povo, usando para tudo a mesma bitola, infelizmente baixa, ou para ser mais correcto, mais estreita.
E escrevo numa autorrepresentação, numa autorreferenciação, onde a intelectualidade que uso, esconde zonas sombrias, nebulosas, numa espécie de suicídio consentido , que ponha fim, não à minha vida, mas ao sofrimento que tudo isso me causa.

E neste entre

E neste meu peito onde tudo cabe, parto numa digressão estonteante, à medida que respiro um ar que me falta, e me entontece até ao desmaio, da minha voz na tua, sentindo-me um ser imaginário, de que não conheço nem o princípio nem o fim, porque as palavras me faltam numa espécie de decadentismo delirante, com o que te afirmo a minha vontade de te amar para além da Vida, eternamente, sem fim.
E faço-me de contradições, de perguntas sem respostas, de questões que me ponho na permanente interrogação de saber onde começa a batalha que travo comigo mesmo, na busca de mim, na busca de ti, numa harmonia que sonho, e que está muito para além de nós.
Mas sujeito-me a um incontrolável ímpeto, que me tira desta letargia e me faz ser apenas gesto ou risco só para te dizer quem já fomos e quem queremos ser agora, embora o medo me tolha os movimentos, por me achar sozinho entre as arquitraves de uma catedral antiga, ou entre os vazios de me sentir entre o perigo de por fim me ser, um entre, que me desassossega até perder a razão.
As muitas, e às vezes desconcertantes vivências, trazem-me a sensação de estar de facto entre a terra e o céu, numa terra de ninguém, que levo depois comigo para dentro de mim, onde outra terra de ninguém me acolhe e me preenche, me confunde, me faz pensar como sou tão pequeno face ao fenómeno de te saber dizer estas coisas.

domingo, 3 de julho de 2016

Entusiasmado

Entusiasmado, do grego "en theos"(com Deus), é como eu me sinto muitas vezes, quando não penso. Não quero com isto transmitir uma imagem de pessimismo, mas chego à conclusão que a realidade também me cansa.
Vou escrevendo à medida que me vou escondendo atrás das palavras que escrevo. E ao mostrar a "obra", vou continuando escondido nos meus pensamentos, nas palavras que não digo, nos gestos que não faço. Vou sendo tudo e o meu contrário
Se calhar às vezes não tenho paciência para mim, farto-me de ser ou de tentar ser, escondo-me até da minha sombra, mas ao mesmo tempo estou curioso , quero saber, ver, discutir aquilo com que não concordo. Fico atrás de uma tela como fazia Apelas, a escutar o que dizem de mim e do que faço.
E entusiasmo-me com o meu mundo que é tão vasto como uma civilização, tão profundo como a noite mais escura do fundo dos oceanos, uma sinfonia de desencantos que me encanta, e onde me perco e encontro, na luta derradeira que travo com a morte de mim, dentro de mim, como se eu fosse outro.
Não "somos" para saber, sabemos para "ser".
O nosso dia a dia é pobre, quase sempre, e vivemos nesta "floresta de enganos", como se a vida fosse eterna, como se não houvesse amanhã, ou como se o importante fosse viver apenas o momento presente, esvaziado de sentido, esvaziado de sonhos, esvaziado de si.
O Holderlin que descobriu uma Grécia Trágica, marcada por um inato "pathos sagrado", que se desconstrói quando o Etna "vomita" as sandálias de Empédocles, e as facilidades de sedução estética da Grécia, é a estetização da História que se constrói como ideologia. E Holderlin morreu louco.

Dom Juan

O homem de muitas mulheres é um homossexual disfarçado. No fundo é incapaz de encontrar a mulher que dentro de si está e o completa. O homossexual que procura muitos outros homens, numa insatisfação incansável e neurótica, procura o homem que de uma forma também neurótica é ele mesmo, e que rejeita encontrar dentro de si, com medo de se encontrar. E sendo mesmo incapaz de viver uma relação, seja ela qual for, que o conflitua, primeiro consigo mesmo e depois com os outros, o que no entanto não é de todo definidora de género. De outro modo é a confusão de sentimentos e de sentidos, é a própria confusão da razão e do racionalismo enquanto sentimento de si.
Albert Camus diz num ensaio que o Dom Juan é um impotente mascarado de gozador. Pode ter tido, de facto, as tais duas mil e tal mulheres, mas nunca ficou com nenhuma, e morreu sozinho.
O homem, na maior parte das vezes, tem medo de ser si mesmo, tem medo de ser toda a herança genética que contem em si, e esse medo torna-o muitas vezes agressivo e intolerante.

sábado, 2 de julho de 2016

E comecei

E comecei a viver numa revolução permanente, numa luta incansável, num despertar plangente pelo respeito à vida.
Quando pinto vou organizando as formas de maneira a conferir ao que faço uma expressão muito própria, muito minha, o célebre "instante decisivo" como lhe chamava o Cardeal de Retz, que resulta do fulgor de um olhar ou de um gesto por fazer, numa geometria que ignoro, mas a que me sinto ligado, cada vez mais, pelo ritmo com que respiro o teu sorriso. E há uma imprevisibilidade nessa geometria, porque sou eu, como homem, a desenhá-la.
Também um dia eu não morri, mas o MoMa, em Nova Iorque, organizou-me uma exposição póstuma, como a que organizou a Henri Cartier-Bresson que entretanto continuava a fotografar algures com a sua Box Brownie que os pais lhe tinham dado em criança.
E componho com sombras que projecto, com silhuetas desfiguradas por mil espelhos frente a frente, amortalhado nesse espelho em que me vejo e revejo, me busco e me rebusco, para, depois, cansado, deixar entornar as tintas, lentamente no chão que piso.
Entretanto os meus dedos dedilham teclas donde saem sons imediatos, de que depois desenho formas de pensamentos ou de nuvens em movimento.
E a minha memorabilia, faz-me ouvir ao longe a Norma de Bellini e um dos mais belos momentos da história da ópera, "Casta Diva", esse pedido desesperado à sua deusa por paz: "espalha paz pela terra".

E o peso . . .

E o peso que em mim pesa e me esmaga, ao esmagar-me a tristeza em que me sinto perdido, neste sentir-me ao mesmo tempo que não me sinto, em jogos de luz e de sombra, piloto que não sabe corrigir a rota e se perde no oceano imenso, a sentir-se imenso como ele. E fico sem saber se sou sendo, se é não sendo que sou.
E a tua cara recortada no escuro da noite, vem ter comigo, ao encontro do beijo que tenho para te dar, tacteando juntos a vida que tentamos viver e amar.
E na caverna das sombras, vejo-me a passar lá ao fundo, feito imagens de mim, que no entanto não conheço, difusas e ao mesmo tempo claras, nesta estranha forma de me sentir, e em que me sinto a ser sempre tudo o que não sou.
E canso-me de verdade, na procura da verdade que só encontro no meu cansaço. E esqueço-me de mim, e de ti, e sou apenas um ser em movimento, em busca da minha incerteza, feita de passados sem tempo, nem história, que nesses tempos possa caber.
Sinto-me um homem das cavernas à procura das cavernas que há nos homens. E então pego num cavalete e vou para o campo pintar, ou fingir que pinto, expressionista primeiro, dadaísta depois a querer imitar uma nova objectividade, numa arte degenerada, numa pintura arcaizante em que me inspiro nos mestres antigos, e em que por fim me pinto, sem peso, como que a levitar por cima de mim e do que pinto.

Hoje

"Onde só chega quem não tem medo de naufragar" como diz o meu Filho mais velho, que continua a nadar oceanos sem medo de naufragar.
Talvez isto que digo não tenha importância nenhuma, e como disse Musil, "as ideias menos importantes têm mais fácil aceitação" e o que não conhecemos achamos sempre extravagante. Será que é ai que mora a verdade?
O construtivismo afirma que cada um deve representar a si mesmo a realidade, de acordo com a própria experiência e o próprio meio que o envolve, e que a verdade serve de muito pouco ou mesmo de nada. Será que a verdade serve para alguma coisa? E o caminho? é preciso percorrê-lo, mas onde será que acaba, se acaba? e a vida, é esta que vivemos ou aquela que julgamos viver? Perguntas tenho tantas, que sei perfeitamente que já não tenho tempo para lhes saber as respostas.
Acordei a pensar. Acordo sempre a pensar. É um vício!
O ser, o conhecimento, a linguagem, aquela que uso para te dizer bom dia, para dizer bom dia ao mundo, e ter conhecimento do que digo, e saber que se o disse foi porque tive vontade, foi porque tive a bondade de agradecer o ter podido dizê-lo, foi porque vi a luz do Sol a entrar-me no quarto, no quarto onde todos os dias adormeço e morro, e me esqueço das horas em que vivi no mundo, e ao morrer começo a viver no outro mundo que só conheço em sonhos.
Sim sou louco ou pareço sê-lo quando digo estas coisas de que me vou lembrando. Por isso devo ter tantos amigos como inimigos. Tanta gente que gosta de mim e outra tanta que me detesta. Mas penso.
Os árabes dizem que quem não tem inimigos não tem valor. E é por isso que os quero ter, talvez soberba, talvez vaidade, talvez muito simplesmente esta vontade de ser diferente, o que pode chocar muita gente mas com o que não me importo nem um bocadinho. Sou, sou assim e gosto de ser assim.
E continuo a pensar todo o resto do dia, nas coisas mais insignificantes e noutras que se calhar valem mais a pena aquilo em que me perco e em que penso.

Encontrar-me

Encontrar-me dentro de ti e deixar-me ir com o vento, como se fosses tu, eu, tu e mais ninguém, como se fosses o vento que sempre nos fez companhia e nos levou para as bocas um do outro, e para todo o lado onde te vejo sempre, e beijo, como no primeiro dia, como no primeiro olhar.
Queria encontrar-me em ti, sempre em ti, porque não preciso de mais ninguém, porque não preciso do mundo que nos fez nem preciso que alguém nos faça, porque há muito que nos fizemos, um ao outro, porque há muito que nos somos. Porque!
Não sei se o tempo interferiu, mas sei que foi sempre sem tempo que o nosso amor aconteceu e o meu grito se fez ouvir, a chamar-te para ao pé de mim com medo de te perder. Porque não sei nada do tempo, nem quando começa nem quando acaba.
Aprendi contigo que sem amor não vale a pena viver, que sem amor não há vida, que sem amor eu nunca teria descoberto os olhos azuis que me levam até ao infinito, que sem amor eu não tinha nascido para ti e para as tuas mãos que me agarraram e me apontaram, lá ao fundo, o azul de que são feitos os teus olhos.
Gosto do belo porque me ajuda a descobrir a beleza
A vida sem o belo é como o belo sem beleza.
E tudo isso encontro no amor!

Continuando

Educar não é só transmitir ao educando uma série de conhecimentos, mas aprender com ele a sua maneira de pensar e de sentir, de estar e de ser. A partir daí é uma interminável tentativa por ensaio e erro de acordar que a vida é um compromisso da pessoa consigo mesma e com o mundo que a rodeia, num processo criativo de reinvenção permanente, não só da vida como de todo um quotidiano, que necessariamente diverge de pessoa para pessoa.
Penso que seria bom que os pedagogos tivessem sempre presente e reflectissem sobre a frase do grande pedagogo português António Quadros que disse a certa altura :" chamemos-lhes alunos. Deveríamos antes chamar-lhes discípulos, se fôssemos capazes de ser mestres."
Hoje em dia transmitem-se imensas informações, que apenas requerem armazenamento, não obriga a pensar, a reflectir, o que não tem nada a ver com conhecimento pois para isso é preciso fazer o árduo caminho até à sabedoria.
Além disso penso que tudo na humanidade deverá ter uma dimensão afectiva, já que o mundo para mim deverá ser fundamentalmente afecto. Uma criança que cresce com afecto, virá a ser completamente diferente de outra que tenha crescido sem ele.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

A nossa sociedade

A nossa sociedade faz homens, lato sensu,  mas não faz pessoas.
Ora começando pela Abordagem Centrada na Pessoa, do americano Carl Rogers, modelo que sigo há muitos anos, e acabando na Abordagem Pessoana, tão portuguesa, em que por exemplo no "Livro do Desassossego", de Bernardo Soares, esse desassossego inerente à criação é patente, ou como diz nas "Páginas Íntimas e de Auto Interpretação" , "não sei quem sou, que alma tenho", é a angustiante pergunta de tantos jovens que a toda a hora nos rodeiam, e até dos menos jovens como eu, que me hei-de perguntar sempre enquanto viver, não sendo no entanto original, porque desde sempre se faz, e sem recuar muito se chega por exemplo  a um quadro de Gauguin,, olho à minha volta e só vejo gente para quem nada disto faz sentido, vidrados num hedonismo decadente, que me faz pensar no fim de uma civilização, no fim de uma cultura.
Voltando a Pessoa e ao seu "sê plural como o universo", não é  nisto que entendo procurar uma educação pela liberdade, se se quiser no que vem no próprio livro de Rogers "Liberdade  para Aprender", mas numa tão rotunda encadernação dos cérebros das crianças e dos adolescentes, que não aprendem nem a viver nem a pensar. É jean Paul Sartre, no seu "Testamento", que é lapidar, quando resume maravilhosamente essa dialética da liberdade e da necessidade na qual a liberdade sai vencedora : o essencial, diz ele, não é aquilo que se fez do homem, mas aquilo que o homem fez daquilo que fizeram dele. Ora só ensinando se aprende e é só aprendendo que se ensina. Como dizia o grande pedagogo que foi António Quadros," só serei mestre se conseguir fazer discípulos"