segunda-feira, 27 de junho de 2011

Como se fosse um diário, mas sem datas

Quando me sinto a sentir que me sinto, procuro esvaziar-me de tudo e até de mim. Esvazio de mim o pensamento, a razão, a memória, os sentidos. Tudo em mim fica vazio.
E depois acredito que só assim, por fim, me consigo sentir. Só, ou apenas na tua memória.

Gosto das pessoas. Mas, do que mais gosto é das diferenças que encontro entre as pessoas.

Quando Matisse ilustrou "As Flores do Mal", do Baudelaire, tentou mostrar como a mulher é soberana, mesmo quando é escrava. Ela dá a vida, o homem apenas contribui. E isso inquieta-me, e faz-me sentir cada vez mais a necessidade de me abrir ao espanto. À mulher fica reservado o poder-se abrir à vida.

Quanto mais intensa é a minha inquietação, mais me sinto perto da espiritualidade.
Tanta coisa me seduz, me atrai, me inquieta, que só posso pensar que alguma coisa em mim está a mais. E isso faz-me pensar em Deus e em como voltar a ser criança.
Picasso esperava um dia conseguir pintar como uma criança e como também disse Matisse, devíamos ser toda a vida como crianças. Não se costuma dizer que as crianças estão mais perto de Deus? Mas já não sou, e lá estou eu a inquietar-me. Resta-me Deus.
Escrevo, e se não me rasgarem e deitarem fora tudo o que tenho escrito, alguma coisa de mim ficará, mesmo que esquecida, algures numa biblioteca perdida. Talvez mais tarde um qualquer arqueólogo encontre enterrado algum fragmento e possa escrever a partir daí uma comunicação à Academia, sobre a loucura lúcida em que se vivia nesta época. Em que eu vivia naquela época.

Nunca aprendi nada com o que aprendi. Apenas fui juntando conhecimentos, amontoando saberes. Depois fiquei mudo e quedo, sem perceber nada, sem saber nada, a não ser que mais uma vez tinha falhado e que até nisso tinha falhado. E perguntei-me: "tu quoque, fili?", e senti-me apunhalado pela vida.

O meu deserto é quando olho para a página ainda em branco do meu caderno, e depois começo a plantar nela palavras como se fossem palmeiras e tamareiras.
Como nunca encontro água para me matar a sede, - no meu mapa nunca há oásis - desfaleço, a boca gretada, e as páginas a ficarem sempre por preencher. Depois há tempestades de areia para cobrir tudo. Para me cobrirem todo.
É quando me sinto a cair num abismo sem fundo, mas que me atrai por ser a voragem onde me quero perder, sem lhe conhecer o fim. "Abyssus abyssum invocat."
E o deserto sou eu.
E o abismo és de facto tu a chamar-me.

A paz dos teus olhares faz-me partir contigo nem eu sei para onde, nem mesmo me importo muito em saber. Apenas quero partir, sabendo perfeitamente que não vamos chegar juntos a parte nenhuma. Mas é isso, é isso. O que quero mesmo é partir, e não chegar a parte nenhuma.

Apetece-me correr contra o tempo para que a minha vida seja mais breve. Ou mais intensa, já que como alguém dizia, é demasiado curta para ser pequena.

"Não creio como eles creem, não vivo como eles vivem, não amo como eles amam . . . mas morrerei como eles morrem". Marguerite Yourcenar

Não sou um revolucionário, mas um revoltado. Quero sempre outra coisa, ou quero mais, ou que seja mais completo, ou . . . e é assim que crio, sendo subversivo.



domingo, 26 de junho de 2011

Coisas que vou dizendo e de que às vezes tomo nota

Leio livros que me ajudam a pensar. Que até me ajudam a ser. Só que depois, como não fui eu a escrevê-los, não consigo ter com eles uma relação de amor.
E tenho pena, tenho mesmo muita pena.

Isto de gostar de me sentir sempre bem no meu deserto
É a maneira que arranjo de estar sempre tão longe de ti
Como de ti estar sempre também tão perto
E de encontrar tudo o que procuro em ti dentro de mim.

A amizade é uma das coisas mais importantes que tenho na minha vida. É a minha obsessão, a minha eterna doença da procura. E nem quero que haja algum cientista que lhe encontre a cura, porque esta amizade que tenho pela amizade é o que me alimenta a vida, apesar de sentir que se calhar nunca me levará a parte alguma.
Sou amigo do meu amigo como se não fosse amigo de coisa nenhuma.

Às vezes dou comigo a discutir comigo imensas coisas. E devo confessar, que como já dizia Paul Valéry, nem sempre concordo comigo. Sou assim, eu e o outro, que se adoram mas também se odeiam.

Pela morte, tenho-me reaproximado de pessoas de quem um dia gostei e depois acabei por me afastar. Sempre o tempo, sempre o tempo empenhado em separar.
E fico a pensar quantas oportunidades perdi de as abraçar.
Ontem cheguei a casa e pus-me a ouvir as Gimnopedias do Sati, que um amigo meu me deu aqui há um bom par de anos. Lembro-me de que nessa altura as ouvia vezes sem conta no meu carro, e quando chegava a casa punha-me de novo a ouvi-las sentado no sofá. Depois deixei de as ouvir. Esqueci-me delas e esqueci-me dele.
Sinto tudo tão intensamente que acabo por não sentir. É como qualquer coisa que acaba por se gastar.
Se calhar, só quando um de nós morrer, nos vamos então voltar a ver. E nessa altura - estou eu agora aqui a pensar - vou pedir a alguém que ponha o disco para que eu possa voltar a ouvir Sati.




O tempo e o Beijo

O calor aperta, e é muito! Também não é de admirar, estamos em Junho! Mas é tanto o calor que faz lá fora como é o frio que sinto dentro do meu peito.
E não sei porquê. Sei que sempre que o tempo muda, também eu mudo nas minhas muitas e variadas interrogações. Nas muitas perguntas que me faço, a frio ou a quente, durante todo o dia, até que já cansado, me deito. E a noite é sempre mais fria.
E acabo por nunca saber ao certo, se te amo ou se apenas te desejo.
O tempo a passar, a mudar, e eu a pensar que tudo não passa de um ensejo, aquilo a que também há quem lhe chame apenas, oportunidade. Talvez!
E talvez seja mesmo de aproveitar, mesmo sem saber o quê. Nem para quê. Nem porquê.
A verdade é que não deixa de ser sempre, de facto, apenas mais uma oportunidade para te dar um beijo.
E isso não posso perder, faça calor lá fora ou frio dentro do meu peito.

NÃO SEI

Não sei se parti ou se cheguei.
O tempo que passa por mim não é constante. Se calhar nem é tempo.
E se é tempo, pelo contrário, é como eu: inconstante.
Não porque tenha a certeza de estar ou não vivo, de estar ou não morto. Não, isso não sei. Só sei que existo. Mais nada.
Como, de que maneira, é que já não sei. Nem vejo sequer maneira de alguma vez vir a saber isso.
Aliás é coisa que pouco me importa. Porque só me importa saber e sentir que é como ec-xistente que me consigo transcender.
Vivo ou morto, estou apenas sujeito às leis da natureza humana.
E humano é que nunca consegui ser na minha natureza.